“A História deve ensinar-nos, antes de mais, a ler um jornal”

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Passado e Presente – “A História deve ensinar-nos, antes de mais, a ler um jornal”.


Partilhamos o artigo de opinião da colega Diana Carvalho. A partir da frase de Pierre Vilar, uma reflexão sobre a relação Passado e Presente e a importância da História para a compreensão da realidade.


 

Pierre Vilar (1906-2003) escreveu a citação que nos serve de título. Um historiador francês, integrado na Escola dos Annales, que testemunhou os acontecimentos mais notáveis de todo o século XX, na Europa e no mundo.

Pierre Vilar

Passado e Presente Pierre Vilar

Placa da entrada da casa em que nasceu Pierre Vilar, em Frontignan (Languedoc-Roussillon), contendo textos em francês, catalão e occitano. Autor: Por Fagairolles 34 – Obra do próprio, CC BY-SA 4.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=19253740

 

Antes de avançarmos para os fundamentos do texto, contemplemos brevemente a sua biografia: estudou Geografia na Escola Normal Superior de Paris e foi bolseiro na Casa de Válazquez, em Barcelona. Serviu o exército francês na 2ª Guerra Mundial e esteve em cativeiro na Alemanha, na Polónia e na Áustria. Foi membro e director na École de Hautes Études de París, professor catedrático na Universidade de Sorbonne e Presidente da secção occitana do Centro de Irmandade Occitano-Catalão. Galardoado com duas medalhas de ouro, uma da Generalidade da Catalunha, outra do Mérito nas Belas Artes, Grã-Cruz da Ordem Civil de Afonso X, o Sábio, Premi Internacional Ramon Llull. É considerado um dos mestres da história espanhola. Apesar de ter cegado em 1991, continuou a publicar artigos que viriam a integrar o seu espólio de mais de uma centena de contributos.

É inquestionável que se trata de uma verdadeira autoridade moral para nos aconselhar a ler o jornal!

Passado e Presente

O texto que se segue é uma breve reflexão interpretativa acerca desta sua citação. O que significa? Porquê o jornal? Em que medida relaciona  Passado e Presente? Que intenção pode estar subjacente a esta afirmação?

A posição de Marc Bloch face ao vínculo do Passado com o Presente, pode contribuir para justificar os fins da afirmação de Pierre Vilar: “A incompreensão do presente nasce fatalmente da ignorância do passado. Mas não vale a pena esgotar-se para compreender o passado quando nada se sabe do presente” (p.100).

História – ferramenta de compreensão da realidade

Em boa verdade, o que ambos os historiadores pretendem demonstrar é que a História é uma ferramenta de compreensão da realidade. Esta última, no que lhe concerne, é o produto da soma dos fenómenos do Passado com os do Presente.

Relativamente ao Presente, Pierre Vilar, recorre ao jornal por este ser uma fonte de informação expressiva da actualidade. Momento onde ocorrem dúvidas e questões que contribuem para alimentar a continuação do estudo dos fenómenos históricos.

Por sua vez, sem o conhecimento histórico produzido pelos investigadores, não haveria como justificar o que sucede no Presente, uma vez que o Passado permite compreender os acontecimentos do Presente através do estudo das suas raízes históricas (mais ou menos distantes), e de onde, muitas vezes, provêm respostas para fomentar resoluções no Presente.

Interação Passado e Presente

Essa relação interactiva entre o Presente e o Passado faz do jornal um objecto de eleição. Permite-nos compreender quem é que, em determinado momento, lidera e como o faz, como vive a sociedade sob certos domínios, qual o estado da economia, e de tudo aquilo que compõe o desenvolvimento humano. Contudo, a informação jornalística não é apenas o produto do que se lê. Esta desdobra a sua natureza em informação directa e indirecta, pois, os conteúdos divulgados são filtrados e seleccionados.

Derivado destes processos, também se observam as intenções com que foram escritos. Assim, o jornal, tanto oferece um enquadramento dos temas actuais quanto da mentalidade adjacente, e ambas as perspectivas concorrem para um entendimento dos processos sociais pelos quais se conceberam certos fenómenos e alertam para outros em desenvolvimento ou ascensão. Os quais, (nunca é demais reforçar), sem recorrer ao conhecimento histórico não se podem compreender. 

Passado e Presente – reflexão sobre a realidade

Não nos olvidemos, que Vilar e Bloch foram vítimas do regime Nazi, e Bloch o foi fatalmente. Na raiz da citação de Vilar, também estará a intenção de alertar para que certos erros do Passado não se repitam no Presente.

Só com a democratização da informação, só com o perpétuo debate e afincado estudo, se podem combater as formas hegemónicas de governo, as ideologias supremacistas e tudo quanto resida na ignorância. A ascensão do regime Nazi, bem como as atrocidades sob a sua égide cometidas, deveram-no também à ignorância, ao desespero e ao esquecimento.


Passado e Presente Marc Bloch

Marc Bloch

Marc Bloch – Nascido a 6 de Julho de 1886, de origem judaica, foi um dos grandes historiadores do sec. XX. Fundador com Lucien Febvre da Revue des Annales em 1929. Esta esteve na origem da chamada Ècole des Annales. Fez parte da resistência francesa na 2ª guerra mundial e foi detido, torturado e fuzilado pela Gestapo em 1944.


Bibliografia

Bloch, M., Bloch, É., Le Goff, J. (1997). A História, os Homens e o Tempo. In Introdução à História (pp.85-102). Mem Martins, Portugal: Publicações Europa-América, Lda.

Vilar, P. (1999). Prólogo. In Iniciación al Vocabulario del Análisis Histórico (p.12). Barcelona, Espanha: Editorial Crítica.

Este artigo foi publicado no Jornal A Pátria – Jornal da Comunidade Científica de Língua Portuguesa.


A sua opinião:

O que pensa sobre o papel da História na análise e reflexão acerca da realidade presente? Poderá esta interação Passado e Presente contribuir para que não se cometam os mesmos erros?

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Diana Carvalho

Diana Carvalho

Mestre em História e Património, membro do Conselho Científico da Revista Herança e colunista em a Pátria. Está actualmente integrada como técnica nas escavações arqueológicas do Castelo de Leiria. É também autora de artigos científicos na vertente do Património Cultural e da História.

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