Artemísia Gentileschi – uma das grandes artistas do barroco e uma vida marcada pela coragem

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Artemísia Gentileschi é indiscutivelmente uma das grandes representantes da pintura barroca embora tenha sido esquecida nos manuais de história da arte durante muito tempo. 

A partir de 1970, e associado aos movimentos feministas, Artemisia Gentileschi foi redescoberta.

A sua vida marcada pela coragem de denunciar o estupro de que foi vítima em 1611 (com 18 anos) e de confrontar a sociedade da época levou vários autores a desenvolverem estudos sobre Artemísia, a sua vida e a sua obra.

Neste artigo propomos-lhe conhecer esta grande artista da pintura do barroco que foi a primeira mulher aceite na Academia de Belas Artes de Florença.

Como verá, as suas obras de arte refletem a força e energia caraterísticas da pintura barroca e o enorme génio da artista.

Texto  Rute Ferreira.

Autora de vários cursos online na área de Análise de Arte e Curadoria de Arte.
Artemisia Gentileschi Autorretrato tocando violão, 1615 e 1617
Artemisia Gentileschi Autorretrato tocando violão, 1615 e 1617

Artemisia Gentileschi – o início da carreira de artista

Artemisia Gentileschi nasceu em Roma, em 1593. Seu pai era o pintor Orazio Gentileschi, importante artista da época, que trabalhava sobretudo temas religiosos e paisagens.

Por volta de 1580, Orazio se mudou para Roma, onde foi trabalhar ao lado do pintor Agostino Tassi, conhecido pintor de paisagens da região.

Ambos começaram a trabalhar juntos com frequência, e se tornaram amigos.

Desde muito cedo, Artemísia começou a estudar arte com seu pai.

Assim como ele, a pintora foi influenciada por Caravaggio, um dos mais importantes artistas do Barroco , “uma arte que combinava emoção, dinamismo e dramaticidade com cores intensas, realismo e tons fortemente contrastantes¹”.

Suzana e os Anciãos – 1610

Um dos trabalhos que Artemísia produziu ainda na adolescência, aos 17 anos, foi o quadro Suzana e os Anciãos, de 1610.

Nele, a artista narra um momento da história que aparece no capítulo 13 do livro de Daniel, que aparece nas Bíblias católicas (para os protestantes, o texto é considerado apócrifo).

Artemisia Gentileschi Suzana e os anciãos 1610

Artemisia Gentileschi Suzana e os anciãos 1610

Na história, Suzana é uma bela mulher, casada com um homem muito rico chamado Joaquim, que desperta o interesse de dois juízes, que combinam sobre como farão para possuí-la.

Um dia, enquanto se prepara para tomar banho em seu jardim, eles se atiram sobre ela, dizendo:

“Ardemos de amor por ti. Aceita e entrega-te a nós. Se recusares, iremos denunciar-te: diremos que havia um jovem contigo, e que foi por isso que fizeste sair tuas servas.²”

Suzana prefere morrer a se entregar a eles, e pede socorro. Isso, é claro, faz com que ela seja julgada.

Na pintura de Artemísia Gentileschi , a abordagem sexual dos juízes é mostrada como um evento traumático.

Artemisia Gentileschi Autorretrato como mártir feminino 1615
Artemisia Gentileschi Autorretrato como mártir feminino 1615

Artemísia Gentileschi: o caso de estupro

Artemísia perdeu a mãe aos 12 anos de idade e viveu cercada de companhia masculina, seu pai e seus irmãos.

Ela tinha uma amiga próxima chamada Tuzia, que vivia na parte de cima de sua casa, alugada por Orazio.

Em 1611, quando a artista tinha 18 anos de idade, seu pai ainda trabalhava com Agostino Tassi, na decoração dos cofres de um palácio.

Orazio então o contratou para que ele desse aulas de pintura à Artemísia, de modo que ela aperfeiçoasse sua técnica.

E foi Agostino Tassi que, durante a ausência de Orazio, violentou Artemísia.

Foi só quase um ano mais tarde que o caso veio à público, com a queixa prestada pelo pai de Artemísia, que também acusou Tassi de ter lhe roubado um quadro.
Mãe e Criança, Artemísia Gentileschi, 1609-1611
Mãe e Criança, Artemísia Gentileschi, 1609-1611

Artemísia Gentileschi: Julgamento para quem?

Apesar da queixa contra Tassi, Artemísia também teve de passar por um julgamento: é que se ela não fosse virgem antes do estupro, a família não teria o direito de prestar queixa.

No depoimento de Artemísia, ela contou que Tassi a encontrou trabalhando na produção de uma pintura e bruscamente lhe tomou os pincéis, dizendo a Tuzia, a amiga de Artemísia, que fosse embora.

Artemísia pediu que Tuzia não a deixasse, mas foi inútil, e ela ficou sozinha com Tassi, que a levou até o quarto e trancou a porta.

Danae

Uma das obras da artista retrata o Mito de Danae – o estupro perpetrado por Zeus que levou ao nascimento de Perseu.

Artemisia Gentileschi Danae 1612

Artemisia Gentileschi Danae 1612

 

Saiba mais sobre o mito de Danae aqui.

Os depoimentos
Me jogou sobre a borda [beira] da cama dando-me com uma mão sobre o peito, me colocou um joelho entre as coxas [para] que eu não pudesse fechá-las e levantando-me as vestes, que fez grande esforço para levantá-las, me colocou um lenço à garganta e à boca para [que] assim [eu] não gritasse e a mão como antes me retinha
com a outra mão me deixou, tendo esse antes colocado todos os dois joelhos entre as minhas pernas e apontando-me o membro à natureza [vagina] começou a empurrar e o colocou dentro que eu sentia que me queimava forte e me fazia grande mal que pelo impedimento que me segurava à boca não podia [eu] gritar, também tentava gritar o melhor que podia chamando por Tuzia. E lhe arranhei o rosto e lhe arranquei os cabelos e antes que o metesse dentro ainda lhe dei uma doída [grande] apertada ao membro que lhe arranquei ainda um pedaço de carne, com tudo isto ele não considerou [avaliou] nada e continuou.

DEPOIMENTO DE ARTEMÍSIA GENTILESCHI³

 

O julgamento foi controverso e a opinião pública virou-se contra Artemísia e a favor de Tassi, inclusive Tuzia depondo contra ela.

Mesmo assim, o pintor foi considerado culpado e em 27 de novembro de 1612, Tassi foi condenado: 5 anos de trabalhos forçados ou deixar Roma. Evidentemente o pintor escolheu o exílio.

Judite decapitando Holofernes 1620
Judite decapitando Holofernes 1620
Jael e Sísera 1620
Jael e Sísera 1620

Artemísia Gentileschi: casamento arranjado e pintora da corte

Para “recuperar a dignidade de Artemísia”, o pai dela arranjou seu casamento com um pintor chamado Pierantonio Stiattesi e o casal foi embora para Florença, onde ela se destacou como uma exímia pintora de retratos da corte.

Artemísia foi uma mulher bem relacionada, tendo o respeito da sociedade florentina.

Seus contatos incluíam o grão -duque da Toscana, Carlos II de Médici, o cientista Galileu Galilei e a família de Michelangelo Buonarroti.

Artista de incontestável habilidade, ela foi a primeira mulher a ser aceita na Academia de Belas Artes de Florença, e em 1638, se juntou ao pai na corte do rei Carlos I, a convite do próprio rei, que admirava os trabalhos de Artemísia.

Ela morreu em 1656.

Autorretrato como alegoria da pintura 1639
Autorretrato como alegoria da pintura 1639

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Rute-Ferreira

Rute Ferreira

Sou professora de Arte, com formação em Teatro, História da Arte e Museologia. Também sou especialista em Educação à Distância e atuo na educação básica. Escrevo regularmente no blog do Citaliarestauro.com e na Dailyartmagazine.com.  Acredito firmemente que a história da arte é a verdadeira história da humanidade.

Créditos e referências

Imagens – Wikiart.org ¹ Hodgie, Susie. Breve História da Arte. São Paulo: Gustavo Gili, 2018.

² Bíblia Católica Online ³

Extraído de Atti di un processo per stupro: o interrogatório de Artemisia Gentileschi no olhar do gênero, de Cristine Tedesco.

Atti di un processo per stupro – o interrogatório de Artemisia Gentileschi no olhar do gênero, de Cristine Tedesco

Cohen, E. S. (2000). The Trials of Artemisia Gentileschi: A Rape as History. The Sixteenth Century Journal31(1), 47–75. https://doi.org/10.2307/2671289

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