Artemísia Gentileschi é indiscutivelmente uma das grandes representantes da pintura barroca embora tenha sido esquecida nos manuais de história da arte durante muito tempo.
A partir de 1970, e associado aos movimentos feministas, Artemisia Gentileschi foi redescoberta.
A sua vida marcada pela coragem de denunciar o estupro de que foi vítima em 1611 (com 18 anos) e de confrontar a sociedade da época levou vários autores a desenvolverem estudos sobre Artemísia, a sua vida e a sua obra.
Neste artigo propomos-lhe conhecer esta grande artista da pintura do barroco que foi a primeira mulher aceite na Academia de Belas Artes de Florença.
Como verá, as suas obras de arte refletem a força e energia caraterísticas da pintura barroca e o enorme génio da artista.
Texto Rute Ferreira. Autora de vários cursos online na área de Análise de Arte e Curadoria de Arte.
Artemisia Gentileschi – o início da carreira de artista
Artemisia Gentileschi nasceu em Roma, em 1593. Seu pai era o pintor Orazio Gentileschi, importante artista da época, que trabalhava sobretudo temas religiosos e paisagens.
Por volta de 1580, Orazio se mudou para Roma, onde foi trabalhar ao lado do pintor Agostino Tassi, conhecido pintor de paisagens da região.
Ambos começaram a trabalhar juntos com frequência, e se tornaram amigos.
Desde muito cedo, Artemísia começou a estudar arte com seu pai.
Assim como ele, a pintora foi influenciada por Caravaggio, um dos mais importantes artistas do Barroco , “uma arte que combinava emoção, dinamismo e dramaticidade com cores intensas, realismo e tons fortemente contrastantes¹”.
Suzana e os Anciãos – 1610
Um dos trabalhos que Artemísia produziu ainda na adolescência, aos 17 anos, foi o quadro Suzana e os Anciãos, de 1610.
Nele, a artista narra um momento da história que aparece no capítulo 13 do livro de Daniel, que aparece nas Bíblias católicas (para os protestantes, o texto é considerado apócrifo).
Artemisia Gentileschi Suzana e os anciãos 1610
Na história, Suzana é uma bela mulher, casada com um homem muito rico chamado Joaquim, que desperta o interesse de dois juízes, que combinam sobre como farão para possuí-la.
Um dia, enquanto se prepara para tomar banho em seu jardim, eles se atiram sobre ela, dizendo:
“Ardemos de amor por ti. Aceita e entrega-te a nós. Se recusares, iremos denunciar-te: diremos que havia um jovem contigo, e que foi por isso que fizeste sair tuas servas.²”
Suzana prefere morrer a se entregar a eles, e pede socorro. Isso, é claro, faz com que ela seja julgada.
Na pintura de Artemísia Gentileschi , a abordagem sexual dos juízes é mostrada como um evento traumático.
Artemísia Gentileschi: o caso de estupro
Artemísia perdeu a mãe aos 12 anos de idade e viveu cercada de companhia masculina, seu pai e seus irmãos.
Ela tinha uma amiga próxima chamada Tuzia, que vivia na parte de cima de sua casa, alugada por Orazio.
Em 1611, quando a artista tinha 18 anos de idade, seu pai ainda trabalhava com Agostino Tassi, na decoração dos cofres de um palácio.
Orazio então o contratou para que ele desse aulas de pintura à Artemísia, de modo que ela aperfeiçoasse sua técnica.
E foi Agostino Tassi que, durante a ausência de Orazio, violentou Artemísia.
Artemísia Gentileschi: Julgamento para quem?
Apesar da queixa contra Tassi, Artemísia também teve de passar por um julgamento: é que se ela não fosse virgem antes do estupro, a família não teria o direito de prestar queixa.
No depoimento de Artemísia, ela contou que Tassi a encontrou trabalhando na produção de uma pintura e bruscamente lhe tomou os pincéis, dizendo a Tuzia, a amiga de Artemísia, que fosse embora.
Artemísia pediu que Tuzia não a deixasse, mas foi inútil, e ela ficou sozinha com Tassi, que a levou até o quarto e trancou a porta.
Danae
Uma das obras da artista retrata o Mito de Danae – o estupro perpetrado por Zeus que levou ao nascimento de Perseu.
Saiba mais sobre o mito de Danae aqui.
Os depoimentos
Me jogou sobre a borda [beira] da cama dando-me com uma mão sobre o peito, me colocou um joelho entre as coxas [para] que eu não pudesse fechá-las e levantando-me as vestes, que fez grande esforço para levantá-las, me colocou um lenço à garganta e à boca para [que] assim [eu] não gritasse e a mão como antes me retinha com a outra mão me deixou, tendo esse antes colocado todos os dois joelhos entre as minhas pernas e apontando-me o membro à natureza [vagina] começou a empurrar e o colocou dentro que eu sentia que me queimava forte e me fazia grande mal que pelo impedimento que me segurava à boca não podia [eu] gritar, também tentava gritar o melhor que podia chamando por Tuzia. E lhe arranhei o rosto e lhe arranquei os cabelos e antes que o metesse dentro ainda lhe dei uma doída [grande] apertada ao membro que lhe arranquei ainda um pedaço de carne, com tudo isto ele não considerou [avaliou] nada e continuou. DEPOIMENTO DE ARTEMÍSIA GENTILESCHI³
O julgamento foi controverso e a opinião pública virou-se contra Artemísia e a favor de Tassi, inclusive Tuzia depondo contra ela.
Mesmo assim, o pintor foi considerado culpado e em 27 de novembro de 1612, Tassi foi condenado: 5 anos de trabalhos forçados ou deixar Roma. Evidentemente o pintor escolheu o exílio.
Artemísia Gentileschi: casamento arranjado e pintora da corte
Para “recuperar a dignidade de Artemísia”, o pai dela arranjou seu casamento com um pintor chamado Pierantonio Stiattesi e o casal foi embora para Florença, onde ela se destacou como uma exímia pintora de retratos da corte.
Artemísia foi uma mulher bem relacionada, tendo o respeito da sociedade florentina.
Seus contatos incluíam o grão -duque da Toscana, Carlos II de Médici, o cientista Galileu Galilei e a família de Michelangelo Buonarroti.
Artista de incontestável habilidade, ela foi a primeira mulher a ser aceita na Academia de Belas Artes de Florença, e em 1638, se juntou ao pai na corte do rei Carlos I, a convite do próprio rei, que admirava os trabalhos de Artemísia.
Ela morreu em 1656.
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Rute Ferreira
Sou professora de Arte, com formação em Teatro, História da Arte e Museologia. Também sou especialista em Educação à Distância e atuo na educação básica. Escrevo regularmente no blog do Citaliarestauro.com e na Dailyartmagazine.com. Acredito firmemente que a história da arte é a verdadeira história da humanidade.
Créditos e referências
Imagens – Wikiart.org ¹ Hodgie, Susie. Breve História da Arte. São Paulo: Gustavo Gili, 2018.
Extraído de Atti di un processo per stupro: o interrogatório de Artemisia Gentileschi no olhar do gênero, de Cristine Tedesco.
Cohen, E. S. (2000). The Trials of Artemisia Gentileschi: A Rape as History. The Sixteenth Century Journal, 31(1), 47–75. https://doi.org/10.2307/2671289