Conheça a vida e a obra de Dordio Gomes – um notável pintor modernista português que imortalizou a paisagem e os costumes alentejanos!
Évora, 1938
Além das pinturas de Amadeo de Souza-Cardoso, Eduardo Viana ou Almada Negreiros, a obra do pintor modernista português, Dordio Gomes , merece a nossa mais profunda atenção!
Dordio Gomes
Simão César Dordio Gomes nasceu em Arraiolos, em 1890, e faleceu no Porto, em 1976. Foi um pintor notável que se matriculou com apenas 12 anos de idade na Academia de Belas Artes de Lisboa, no curso de Pintura Histórica. Ali teve como professores Luciano Freire (1864-1935), José Veloso Salgado (1864-1945), José Malhoa (1855-1933) e Columbano Bordalo Pinheiro (1857-1933) e dali partiu para Paris, em 1910 – juntamente com o seu amigo e escultor Francisco Franco (1885-1955) – ao abrigo de uma bolsa decorrente do legado Valmor.
O legado Valmor foi instituído pelo 2º Visconde de Valmor, Fausto de Queirós Guedes (1837-1898), um grande mecenas e filantropo, com o intuito de promover a arte nacional e proteger os artistas portugueses.
As viagens e as estadias dos artistas no estrangeiro eram consideradas essenciais para a sua formação. Foram vários os artistas plásticos portugueses, sobretudo ao longo da segunda metade do século XIX e inícios do século XX – como Silva Porto (1850-1893), Marques de Oliveira (1853-1927), Henrique Pousão (1859-1884) ou Columbano Bordalo Pinheiro (1857-1929) – que usufruíram de bolsas de estudo e de viagem concedidas por instituições como as Academias de Belas Artes de Lisboa e do Porto.
Pretendia-se que o artista tomasse contacto com as novas tendências da arte europeia, em centros de vanguarda como Roma ou Paris, e que ao regressar ao seu país trouxesse consigo novas influências que contribuíssem para atualizar a arte nacional.
Paris: 1910-1911
No início do século XX, Paris era a grande referência cultural europeia e um lugar de encontro de inúmeros pintores, escultores e arquitetos estrangeiros que aí se deslocavam para assimilarem as novas tendências artísticas modernistas.
Dordio Gomes frequentou a Academia Julian, uma escola de arte aberta a alunos estrangeiros, homens e mulheres, onde foi aluno do escultor e pintor francês, Jean-Paul Laurens (1838-1921).
Esta primeira estadia em Paris foi curta. No entanto, Dordio teve a possibilidade de contactar com outros artistas portugueses aí emigrados, como Eduardo Viana (1881-1967) ou Guilherme de Santa-Rita (1889-1918).
Um ano depois, em 1911, regressa a Portugal e volta para a sua terra natal de Arraiolos, onde segue a temática regionalista tradicional. Aí ficará até 1921, ano em que partiu novamente para Paris, onde permaneceu até 1926.
Paris: 1921-1926
Esta segunda estadia em Paris foi decisiva para o seu futuro como pintor. Dordio Gomes entra em contacto com as novas correntes artísticas internacionais modernistas, frequentando a Escola Nacional de Belas-Artes e o atelier do pintor Fernand Cormon (1845-1924), por onde antes tinham passado grandes pintores como Vincent Van Gogh (1853-1890) ou Henri Matisse (1869-1954).
Ao mesmo tempo que convive, em animadas tertúlias, com outros artistas portugueses também influenciados pelos movimentos estéticos vanguardistas – como Diogo de Macedo (1889-1959), Abel Manta (1888-1982) ou Manuel Jardim (1884-1923) – Dordio coloca de lado os tons sombrios e escuros da obra pictórica de Columbano (que o havia influenciado inicialmente), relega para segundo plano o naturalismo tradicionalista e deixa-se claramente influenciar pelas cores, volumes e formas das obras de Paul Cézanne (1839-1906) e, em parte, pela flexibilidade das composições do movimento cubista, movimento esse então em voga na Europa.
Grupo dos Quatro, 1923, autoria de Francisco Franco. Da esquerda para a direita, estão representados: Dordio Gomes, Francisco Franco, Heitor Cramez e Diogo de Macedo. Dordio, Franco e Macedo, juntamente com Eduardo Viana e Almada Negreiros, viriam no mesmo ano de 1923 a participar na Exposição dos Cinco Independentes realizada na Sociedade Nacional de Belas-Artes em Lisboa, o que constituiu, segundo José Augusto França, “a primeira manifestação modernista dos anos 20” em Portugal.
Outras viagens, outros horizontes
Os seus horizontes artísticos foram ainda mais alargados pelas viagens que realizou pela Bélgica, Suíça e Holanda e por uma estadia de 8 meses em Itália onde entrou em contacto com a obra dos grandes mestres renascentistas da pintura a fresco.
Foi nesta altura que Dordio pintou as Casas de Malakoff, obra de influência cubista e expressionista, em baixo exposta, e atualmente presente no Museu Soares dos Reis, no Porto. Nesta pintura, é possível que Dordio tenha retratado a vista que teria do seu atelier para as casas do bairro de Malakoff, situado nos arredores de Paris.
Dordio Gomes – o regresso ao Alentejo: 1926-1934
A influência cézanniana acompanha Dordio Gomes no seu retorno definitivo a Portugal, em 1926. O pintor fixa-se no Alentejo e os sobreiros da paisagem alentejana, a liberdade das manadas de cavalos, a tranquilidade da vida rural e o trabalho árduo nos campos serão os temas preferidos das suas obras.
A sua tela enche-se com a representação de corpos volumosos, arrojados e dinâmicos de pastores, ceifeiras, camponeses e outras figuras do universo alentejano que se distribuem numa composição pictórica onde abundam diferentes tonalidades contrastantes de cores exuberantes de uma luminosidade por vezes agressiva.
Portugal permanecia, no final da Primeira República Portuguesa (1910-1926) e no início da Ditadura salazarista, um país maioritariamente rural e agrícola, dotado de um setor industrial bastante ténue, e com uma população total de aproximadamente 6 milhões, das quais cerca de 500 mil pessoas viveriam no concelho de Lisboa.
Nos campos alentejanos – que ainda não tinham sofrido o impacto da modernização e mecanização dos processos agrícolas dos anos 50 e 60 – continuavam a trabalhar milhares de pessoas cuja força de trabalho era essencial para as campanhas do trigo, do azeite, da cortiça e do vinho. Entre 1940 e 1950, a população ativa agrícola no Alentejo era constituída por aproximadamente 177 mil pessoas.
A vida no Porto
A temática regionalista continuará a ser explorada por Dordio Gomes, mesmo após deixar o Alentejo, em 1934, e rumar ao Porto onde foi admitido como professor na Escola Superior de Belas Artes – até 1960 – e onde contribuiu para a formação da futura geração de artistas modernistas.
Foi no Porto que Dordio Gomes se iniciou na pintura a fresco, a qual descobriu na sua viagem por Itália, decorando diversos espaços interiores de edifícios da cidade portuense, como o café Rialto (1944), a livraria Tavares Martins (1948), a Escola Superior de Belas Artes (1954) ou a Câmara Municipal do Porto (1954).
Disfrutando da atmosfera suave e da luz difusa da cidade portuense, Dordio Gomes retrata o quotidiano das gentes do Porto tomando como referência o rio Douro, apresentando paisagens por vezes sombrias e melancólicas.
Dordio Gomes – o reconhecimento nacional e internacional
Ao longo da sua carreira profissional, Dordio recebeu vários prémios – como o Prémio Columbano (1938) e o Prémio António Carneiro (1945) – e participou em inúmeras exposições da Sociedade Nacional de Belas Artes, da Fundação Calouste Gulbenkian (que detêm ainda muitas das suas pinturas) e da Escola Superior de Belas-Artes do Porto, além das exposições bienais de Veneza e de São Paulo realizadas nos anos 50 do século XX.
A sua obra pode ser hoje admirada em diversos museus portugueses como o Museu Nacional Soares dos Reis, o Museu Nacional de Arte Contemporânea, o Museu José Malhoa, o Museu de Évora ou o Museu Grão Vasco.
Apesar de ter feito parte da primeira geração de artistas modernistas portugueses, juntamente com Amadeo, Viana e Almada Negreiros, Dordio Gomes foi um artista que oscilou constantemente entre o modernismo e a temática do naturalismo regionalista oitocentista, retratando até ao final da sua vida de forma sublime as paisagens e as gentes da sua terra natal alentejana!
Nuno Alegria
Licenciado em História pela Faculdade de Letras de Lisboa, pós-graduado em História Contemporânea pela Faculdade de Letras de Coimbra e em Tour Guiding pelo Instituto de Novas Profissões (INP). Guia-Intérprete oficial, fluente em inglês, francês e espanhol, trabalha para a Parques de Sintra e para diversas agências de viagens realizando circuitos turísticos culturais por museus e monumentos de todo o país.