Neste artigo voltamos a Marc Bloch e ao método de crítica histórica que segue o método de observação histórica.
No seguimento do texto publicado anteriormente acerca do primeiro método histórico analisado por Marc Bloch na sua obra “Introdução à História”, o presente não pretende afastar-se do tema e procura dar-lhe seguimento. A evidência do título reporta-se ao conteúdo do capítulo III.
Acerca da evolução do método de crítica histórica
Testemunho v. documento
Marc Bloch principia este capítulo retomando parte do seu raciocínio anterior acerca dos testemunhos. Relembra-nos que estes são fruto de diversas intenções humanas, entre as quais logram o engano e a falsificação. Devem, então, ser questionados, embora com cepticismo moderado, para que não se descarte facilmente informação relevante.
“Testemunhos” não é uma palavra sinónima de “documentos”, antes dos seus conteúdos: informações, elementos, detalhes, que estes fornecem.
Da necessidade do método de crítica histórica
Esta parte introdutória do capítulo serve o propósito de dar a conhecer os motivos que justificam a presença do espírito crítico em toda a actividade do historiador e para estabelecer uma ligação com a sua evolução ao longo do tempo. Sobre isto, o autor refere que a primeira forma de método crítico foi o bom senso, uma forma de razoabilidade, sensatez e perspicácia.
O principal intuito foi o de prevenir que a mentira “dos documentos” interferisse com o trabalho do historiador. Adverte, porém, para o seu reconhecimento enquanto método.
Conforme as suas palavras, o bom senso está limitado pela superficialidade inerente à sua natureza, e um investigador verdadeiramente empenhado em verificar o seu ponto de vista empregará todo um conjunto de conhecimentos e técnicas específicas, e ao qual não bastaria apenas uma dose de prudência.
Contudo, segundo Bloch, é só no século XVIII que se dá a instituição da crítica dos documentos de arquivo e da elaboração de regras de crítica histórica.
As disciplinas auxiliares da crítica histórica
Uma mudança de paradigma alcançada por Jean Mabillon aquando da publicação da obra De Re Diplomatica. Esta obra foi considerada como a fundadora das disciplinas de Paleografia e Diplomática.
A crítica torna-se então uma “prova de veracidade” (p.124). Mas uma prova apenas ao dispor dos eruditos.
É comum que a um período de usufruto priveligiado, se siga outro de maior acessibilidade. Com os métodos acontece o mesmo. Neste sentido, o autor refere que a democratização da crítica histórica se deu no século XIX, onde as técnicas foram difundidas, melhoradas, e até “simplificadas”, sobretudo quando se tomou consciência de que essa tal erudição só podia ser entendida por um círculo restrito de pessoas, o que condenava a difusão de conhecimentos.
Resumindo esta primeira parte do capítulo III, o autor diz-nos que a crítica histórica é um método que nasce assumidamente no século XVIII para interrogar as fontes, e que permite ao investigador desvelar o significado do documento e a intenção com que foi concebido.
Razão pela qual existe a crítica histórica
Conforme foi dito no início, é a própria condição dos testemunhos que valida a existência da crítica histórica. E não é possível confirmar a eficácia da crítica sem que se veja o seu efeito surtido.
A autenticidade do documento
Por sua vez, o recurso a este método executa-se de duas feições: externamente, dedicada à análise da autenticidade do objecto, e internamente, orientada para a credibilidade do documento. Ou seja, o documento é analisado enquanto objecto e enquanto mensagem. Assim, este método permite desencobrir o falso relato e compreender o motivo da sua existência: “Aí temos, portanto, a crítica conduzida a procurar, atrás da impostura, o impostor; quer dizer conforme à própria divisa da história, o homem” (p.q132).
Bloch adverte-nos para os tipos de fraude mais comum com que o historiador se debate, nomeadamente quanto ao autor, à data e conteúdo do documento. Dá vários exemplos sobre o caso, de entre os quais se salienta aquele referente a Denis Vrain-Lucas, um falsário francês do século XIX.
Contudo, há outra forma de falsificação de documento que o autor descreve como “insidiosa” (p.134): a interpolação. Isto é, a forma que a mentira tem de se aproximar mais da realidade, onde se reveste de um fundo de verdade e discretamente se dissimula.
A psicologia do testemunho
Bloch faz menção à Psicologia do Testemunho e deixa-nos algumas considerações, nomeadamente que a memória, nosso “aparelho de registo”, é susceptível ao engano, a erros de percepção, à confusão de informações, à contaminação do raciocínio pelas emoções e, por conseguinte, não é totalmente fidedigna enquanto fonte de informação. Assim, aqueles testemunhos de antecedente mais imediato a um acontecimento histórico, não deverão ser tomados à letra da sua descrição, mas antes como um contributo isolado para a reconstituição do evento.
No seguimento deste raciocínio o autor diz que um relato deturpado pela percepção humana tem “valor documental” (p.139), pois é igualmente genuíno e demonstrativo. É nele que se lêem as entrelinhas, ou melhor, as mentalidades subjacentes à época. A cultura, a tradição, a superstição, os preconceitos e as concepções então existentes são tão relevantes quanto os esforços para as isentar da narrativa.
A crítica histórica não pode ser de interpretação unilateral
Por todos os motivos característicos da fraqueza moral das fontes e testemunhos, o autor explica que o método da crítica histórica não pode ser de interpretação unilateral, tendo obrigatoriamente de estabelecer comparações, e mesmo assim, não é seguro considerar um número determinado de conclusões sobre um objecto de estudo como verdadeiras, mas antes como a bússola de um conjunto de probabilidades aproximadas à realidade de um evento numa época passada.
O passado não se pode alterar nem verificar, mas o conhecimento sobre ele pode apurar-se através da crítica.
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Marc Bloch e o método de observação histórica
Bibliografia
Bloch, M., Bloch, É., Le Goff, J. (1997). A observação histórica. In M. Castro (Ed.), Introdução à História (pp.103-121). Mem Martins: Publicações Europa-América, Lda.
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Qual a sua opinião sobre a necessidade de verificação da autenticidade dos testemunhos históricos? A perspetiva de Marc Bloch continua atual?
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Diana Carvalho
Mestre em História e Património, membro do Conselho Científico da Revista Herança e colunista em a Pátria. Está actualmente integrada como técnica nas escavações arqueológicas do Castelo de Leiria. É também autora de artigos científicos na vertente do Património Cultural e da História.