A 1ª República, a Ditadura Militar e o Estado Novo em Portugal – como uma ditadura durou 48 anos?

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Este artigo, de Diana Carvalho, visa traçar abreviadamente o contexto económico da 1ª República, da Ditadura Militar e do Estado Novo em Portugal em quatro momentos de prova internacional: a I Guerra Mundial, a Grande Depressão, a II Guerra Mundial e o pós-guerra.

A este ensaio serviram de suporte bibliográfico a obra de Eugénia Mata e Nuno Valério (2003), História Económica de Portugal. Uma perspectiva global, e o artigo de António Candeias e Eduarda Simões, Alfabetização e a escola em Portugal no século XX: Censos Nacionais e estudos de caso (1999).

Procurou traçar-se em linhas abreviadas o contexto económico destes regimes, naquilo que foram quatro momentos de prova internacional, nomeadamente a I Guerra Mundial, a Grande Depressão, a II Guerra Mundial e o pós-guerra. Dada a complexidade do período contemporâneo e a intrincada abundância de informação existente para cada momento, reforça-se que a característica principal do texto é o sumário das questões principais que lhe deram corpo.

A génese

A conjuntura interna responsável pela promoção da ditadura militar (1926-1933) teve por base a instabilidade política dos governos republicanos (1910-1926), assim como a precária e agonizante realidade económica e social que caracterizou o país nesta fase.

Em termos económicos o país continuava a debater-se com o défice da balança comercial, com a inflação, a escassez e a fraca produção industrial e agrícola.

Por sua vez, relativamente ao plano social, a falta de condições e a subida de preços aliada a retribuições salariais que não davam resposta às necessidades, condicionaram a vida das classes trabalhadoras, que, optando pela emigração, esvaziavam o país de mão de obra e de capital, ou, ficando, contribuíam para um clima de tensão e descontentamento crescente.

Apesar das medidas adoptadas pelo governo para satisfazer os pleitos da classe, nomeadamente a instituição do descanso semanal obrigatório, o direito à greve e à assistência social, o cumprimento das medidas não era levado a bom porto pelos industriais. No tocante ao plano político releva-se o insucesso geral na concretização dos objectivos estipulados para o projecto da 1ª República (1910-1926).

No plano externo destaca-se o momento de beligerância de Portugal na I Guerra Mundial (antecedido por uma fase de neutralidade), quer no continente, quer nas colónias, a custo do agravamento das suas dificuldades prévias. A influente inconstância da economia internacional sobre a frágil condição nacional (1) também não concorreu para a harmonização da realidade portuguesa, nem para positivar o saldo das contas públicas, que se encontrava na penúria.

Entretanto, durante a década de 1920 observou-se uma recuperação económica através da reforma fiscal de 1922 e da reforma dos direitos aduaneiros de 1923. Estas desempenharam um papel fundamental no aumento das receitas públicas, que, apesar de não terem tido efeitos imediatos no equilíbrio da balança contribuíram para pôr termo à infração em 1924.

Destarte, apesar das circunstâncias do pós-guerra terem sido marcadas por um período de algum optimismo económico, as medidas do governo do Partido Democrático adoptadas para estabilizar a economia não atenuaram a instabilidade política. Entre 1917 e, dá-se uma crise política republicana e o Partido abandona o poder, dando lugar a uma sucessão de governos de diferentes partidos e coligações, comprimindo as margens da tolerância e da indulgência.

O golpe militar

Assim, com sentido de urgente pragmatismo, em 28 de Maio de 1926, o general Gomes da Costa deu início, a partir de Braga, ao golpe militar que resultaria na ditadura de 1926-1933.

Estado Novo em Portugal Gomes da Costa e as suas tropas desfilam vitoriosos em Lisboa (6 de junho de 1926)

Gomes da Costa e as suas tropas desfilam vitoriosos em Lisboa (6 de junho de 1926)

Óscar Carmona torna-se Presidente da República e, o Professor de Economia e de Finanças na Faculdade de Direito de Coimbra, António Oliveira Salazar, assume a pasta do ministério das finanças, sob a condição de poder administrar o orçamento dos restantes ministérios.
Este período caracterizou-se pela consolidação da estabilidade financeira. A reforma fiscal de 1928-1929 tornara positivos os saldos das contas públicas, tendo-se tornado numa efetiva demonstração de competência e triunfo político (2).

As respostas do Estado Novo em Portugal no contexto da Grande Depressão


Esta conjuntura viria a ser posta à prova face à Grande Depressão americana (1929-1932). Esta fora provocada pelo crash da bolsa, isto é, pela acentuada queda do valor das ações num curto período temporal, pela falência do sector bancário e consequente falência das indústrias dependentes do crédito para adquirir matéria-prima, maquinaria e pagar salários. Como consequência, engrossaram-se as fileiras do desemprego, e a ausência do poder de compra, abalou profundamente o mercado da oferta e da procura. A agricultura americana também não atravessava um momento auspicioso, antes de deflação.

Estado Novo em Portugal grande depressão

Multidões no exterior do Banco dos Estados Unidos, em Nova Iorque, em 1931

 

As consequências da Grande Depressão em Portugal

Contudo, o efeito da depressão económica foi, no Brasil, e nas colónias mundiais em geral, mais impactante do que em Portugal.

Houve consequências, sim, como a diminuição de exportações e de vagas de emigração, assim como a intensificação de políticas anti-emigração generalizadas, todavia, a quase simultânea redução de importações, o regresso de contingentes humanos ao país, a manutenção da taxa de câmbio e a liquidação das dívidas relativas à Primeira Guerra (resultantes da moratória de Hoover, confirmada pela conferência de Lausanne) em 1931, preveniram a diminuição do PIB.

Entretanto, Salazar alcança a chefia do governo em 1932, aprovando os estatutos do único partido político autorizado no país (União Nacional), que viria a servir de instrumento de legitimação política e democrática para o Estado Novo em Portugal (3), em 1933, um regime que reenquadrou as instituições democráticas para servir objectivos monopartidaristas, repressivos e de índole fascista, mas também autárcicos (auto-suficiência económica), nos quais se foca este ensaio.

A aprovação da nova Constituição em Abril de 1933, pôs fim à ditadura militar, que serviu de regime provisório, e contemplou medidas económicas e sociais de relevo.

No plano económico salientam-se as medidas de contenção do consumo, através da diminuição da despesa pública e o aumento de impostos no sector privado, assim como as diligências do investimento no desenvolvimento rodoviário e portuário.

Destacam-se ainda as consequências da sua política monetária (1930) que preveniram a inflação, promoveram a obtenção de saldos positivos na balança de pagamentos, bem como a moderação dos créditos internos.

No plano social houve uma diminuição nas políticas de incentivo à educação, contrariamente ao projecto Republicano, pese embora não tenha diminuído o seu investimento financeiro. Registou, inclusivamente um aumento na taxa de alfabetização a partir de 1950 (4). Ainda neste plano, destaca-se a promoção do ensino técnico universitário.

Relativamente às colónias, a Grande Depressão afetou a prosperidade económica das relações comerciais internacionais, mas promoveu o autoconsumo, todavia insuficiente para manter o seu desenvolvimento. Neste plano o governo de Salazar focou-se em preservar a situação económica do país (5).

As respostas do Estado Novo em Portugal no advento da II Guerra Mundial

No advento da Segunda Guerra Mundial, o governo português manteve a sua neutralidade durante todo o processo, pese embora com laivos de colaboração, uns evidentes e outros dissimulados.

Estado novo em Portugal 2ª guerra mundial

Esta neutralidade não implicou a isenção de danos colaterais, nomeadamente conflitos e perdas coloniais, aumento da despesa com o armamento dos arquipélagos da Madeira e Açores, queda das contas públicas e inflação, resultante da conjugação do aumento de capitais (derivados da exportação do minério de volfrâmio) e da escassez.

No plano social, Portugal registou um crescimento populacional com o abrandamento da emigração e com a entrada de imigrantes refugiados, também procurando a porta marítima para os EUA e o Brasil (6).

Entre o pós-Guerra do II conflito mundial e 1974

Porém, no período entre o pós-guerra e 1974, ano que marca a queda do regime, observou-se sobretudo uma inversão das tendências económicas e tecnológicas.

Entre a década de 1950 e 1960, no plano económico, Portugal beneficiou grandemente com o Plano Marshall, com os planos de Fomento do governo salazarista, responsáveis pela criação de mais infra-estruturas e pelo aumento do produto interno bruto real por habitante.Nesta altura banalizam-se também os depósitos como meio de pagamento.

O baixo rendimento salarial e o baixo valor das matérias-primas atraíram investimentos internos e externos. Também foi critério de favorecimento económico a adesão à EFTA (Associação Europeia do Comércio Livre).

Todavia, a única abertura que o governo português teve para com a Europa e as potências internacionais, mantinha-se estritamente no plano económico e financeiro.

Em termos demográficos o país registou um contínuo crescimento populacional e urbano, bem como a dilatação das fronteiras administrativas da capital e do Porto.

Em termos estruturais denotou-se uma tendência favorável ao sector industrial e de serviços, em contraste com o agrícola, para o qual concorreu o aumento de trabalhadores e o crescimento económico, nomeadamente das indústrias de conservas de peixe, cortiça, têxtil e materiais de construção.

Mas, apesar do crescimento registado, os níveis de produtividade continuaram baixos, o mercado era reduzido, e os investimentos na modernização sofreram rupturas por causa da Guerra Colonial (1961-1974). A agricultura foi um sector estagnado nestas duas décadas.

Relativamente aos avanços tecnológicos destaca-se a difusão da electricidade, aliada à preferência por uma estratégia de produção hidroeléctrica. Releva-se ainda a proliferação de máquinas e adubos industriais para a agricultura, todavia, com resultados de produção ainda humildes.

Por fim, a banalização da rádio, do automóvel, dos transportes públicos e de mercadorias que, aliados ao alcatroamento das estradas, se tornaram mais cómodos e eficazes (7).

No entanto, quer o sector industrial, quer o sector de serviços, continuavam gravemente atrasados face à Europa, onde as infra-estruturas de serventia dos transportes e comunicações, a formação dos trabalhadores e a modernização tecnológica já conheciam avanços e abundância, delegando Portugal para um plano inferior de concorrência e desenvolvimento.

Esse atraso foi consequência da neutralidade do país na II Guerra, que apesar de um abismo foi também uma oportunidade, decorreu ainda das muitas limitações democráticas do Estado Novo e do peso dos dogmas da Igreja em todas as matérias, cuja acção cristalizou o desenvolvimento cultural, social e tecnológico de Portugal, e, posteriormente, também a Guerra Colonial cativou as prioridades do Estado.

Mesmo em 1968, quando Marcelo Caetano se apresenta ao povo como uma solução para a renovação do regime no sentido da liberalização, assim como para a guerra nas colónias, as expectativas populares acabam defraudadas pela continuidade do sistema ditatorial e repressivo.

A resposta foi dada em 1974 com um novo golpe militar.

Conclusões

Se o regime foi bem sucedido na salvaguarda económica e financeira das contas públicas, foi um absoluto fracasso na defesa e promoção da democracia, da igualdade e da liberdade, colectiva e individual, um outro tipo de riqueza que não se preservou e cuja privação acabou por concorrer para a criação de outro tipo de obstáculos, fragilidades e fossos sociais, políticos, diplomáticos e culturais, tão graves e cheios de repercurssões quanto os problemas de índole económica e política que assolavam o país no início do século XX.

As consequências do regime ditatorial remeteram toda a sociedade portuguesa para um atraso de várias décadas que, ainda hoje, se tenta compensar.

Notas:
(1) MATA, Eugénia; VALÉRIO, Nuno –História Económica de Portugal. Uma perspectiva global, Lisboa, Editorial Presença, 2003, pp.179-186.
(2) MATA, Eugénia; VALÉRIO, Nuno – História Económica de Portugal. Uma perspectiva global, Lisboa, Editorial Presença, 2003, pp. 187-190.
MATA, Eugénia; VALÉRIO, Nuno – História Económica de Portugal. Uma perspectiva global, Lisboa, Editorial Presença, 2003, pp. 190-191.

(3) MATA, Eugénia; VALÉRIO, Nuno – História Económica de Portugal. Uma perspectiva global, Lisboa, Editorial Presença, 2003, pp. 190-191.
 (4) CANDEIAS, António; SIMÕES, Eduarda – Alfabetização e a escola em Portugal no século XX: Censos Nacionais e estudos de caso, 1999, p.173.
(5) MATA, Eugénia; VALÉRIO, Nuno – História Económica de Portugal. Uma perspectiva global, Lisboa, Editorial Presença, 2003, pp. 191-193.
(6) MATA, Eugénia; VALÉRIO, Nuno – História Económica de Portugal. Uma perspectiva global, Lisboa, Editorial Presença, 2003, pp. 193-196.
(7) MATA, Eugénia; VALÉRIO, Nuno –Uma perspectiva global, Lisboa, Editorial Presença, 2003, pp. 196-199.
Referências Bibliográficas (NP405)
MATA, Eugénia; VALÉRIO, Nuno – A época das Guerras e das Crises (1914-1947). História Económica de Portugal. Uma perspectiva global. Lisboa: Editorial Presença, 2003. p. 179-199.
CANDEIAS, António; SIMÕES, Eduarda – Alfabetização e a escola em Portugal no século XX: Censos Nacionais e estudos de caso. Análise Psicológica [em linha]. Nº1, Vol. XVII (1999), p. 163-194. atual. [consult. 14  Maio 2021]. Disponível na Internet:
<URL: http://hdl.handle.net/10400.12/5867>

Artigo publicado no Jornal da Comunidade Científica de Língua Portuguesa - A Pátria
Diana Carvalho

Diana Carvalho

Mestre em História e Património, membro do Conselho Científico da Revista Herança e colunista em a Pátria. Está actualmente integrada como técnica nas escavações arqueológicas do Castelo de Leiria. É também autora de artigos científicos na vertente do Património Cultural e da História.

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