O presente ensaio procura explicar a visão de Armindo de Sousa sobre as cortes medievais enquanto primeira forma de parlamentarismo, enunciando os pressupostos que sustentam a sua tese através da sua comunicação aos alunos da Faculdade de Letras da Universidade do Porto na cerimónia de abertura do ano lectivo de 1990-1991. Convém alertar o leitor que se trata de uma tese actual, ensinada nas universidades.
Por Diana Carvalho
Imagem de capa: detalhe de Alegoria às Cortes de Lamego (1818), Domingos Sequeira (Biblioteca Nacional de Portugal)
Cortes medievais portuguesas como a primeira forma de parlamentarismo
Assim, o texto de Armindo de Sousa, “O Parlamento Medieval Português – Perspectivas Novas” explana a sua concepção acerca das Cortes medievais dos finais da Idade Média enquanto sub-estrutura da política global portuguesa de natureza parlamentar.
Fá-lo à luz de novas perspectivas que se afastam da historiografia tradicional, imbuída de um espírito essencialmente jurídico1. A tese de Armindo de Sousa permitiu que esta documentação demonstrasse como se pensava e se percepcionava a sociedade na época no âmbito das cortes, uma visão alcançada por um estudo multidisciplinar que envolveu áreas tão distintas como a Antropologia, a Sociologia ou a Psicologia Social.
A distinção entre poder e autoridade
Se analisarmos a sua narrativa, vemos que o autor assinala desde logo uma distinção entre poder e autoridade para caracterizar a essência “pública” e universalmente reconhecida deste mecanismo, não como um instrumento de execução de poder, mas de ampla discussão entre as forças sociais, cujo o objectivo era representar e debater assuntos comuns à população e ao território, em suma, à nação referida pelo autor.
É, por isso, considerada como uma sub-estrutura da estrutura política e não como uma estrutura em si mesma, dado que surgiu de uma necessidade espontânea da rede de relações (sociais e políticas) conduzirem a governação do próprio governo. Não surgiu de forma pré-determinada por parte de um orgão ou indivíduo, tanto que não obedece a um regimento ou postura legal que se conheça2. É desta ausência de forma que brota a sua riqueza temática.
Função social das cortes
Outra ideia de Armindo de Sousa é colocar poder e autoridade em campos diametralmente opostos dado que a função destas assembleias era fundamentalmente social e não política. Não se tratava de medir forças, mas de afirmar e respeitar a postura de cada grupo na governação, encontrando o equilíbrio possível na unanimidade e, de certo modo, na igualdade3, num evento que, assim, se auto legitima.
As Cortes enquanto Assembleia representativa do país e forma de parlamentarismo
A última noção é a de que as Cortes foram uma Assembleia inquestionavelmente representativa do país, isto é, uma forma de Parlamento.
Defende esta noção apelando à factualidade que os capítulos de Cortes apresentam: não só as Cortes foram um lugar de proposta e iniciativa legislativa do terceiro estado, como também existem indícios que atestam a consensualidade geral relativa à sua legítima representatividade.
Em suma, porque se consideram as cortes uma forma de parlamentarismo
Em suma, falar de representatividade, de iniciativa e de autoridade do povo no final da Idade Média é uma concepção que deve ser analisada tendo em consideração a mentalidade da época.
Não se pode dizer que as massas tinham voz própria através da liberdade de expressão de cada indivíduo, mas sim enquanto colectivo social, e dentro do seu colectivo, através dos seus representantes.
Ainda assim, segundo Armindo de Sousa, esta forma de agregação social e política, corresponde à de um Parlamento pelos motivos atrás explicados, provando a antiguidade do seu formato para trás do século XVIII Inglês, ou do ano de 1820 português. Deste modo, a tese de Armindo de Sousa, alargou substancialmente o horizonte histórico e cronológico do conceito e da existência do Parlamento.
Notas
1. Significa isto que a historiografia tradicional trabalhou a documentação das cortes medievais enquanto instituição do direito medieval onde eram concebidas as leis, analisando também a sua forma social e as temáticas tratadas.
2. É de salvaguardar a possibilidade de surgir nova documentação que contradiga esta tese.
3. Igualdade no sentido que todos partilham o mesmo objectivo e, como tal, todos se ouviam.
Bibliografia Sousa, A. (1990). O Parlamento Medieval Português – Perspectivas Novas. (Cerimónia de Abertura do Ano Lectivo 90/91, FLUP, Porto, Portugal). Recuperado de https://ojs.letras.up.pt/index.php/historia/article/view/5747 Artigo publicado no Jornal da comunidade cientifica de língua portuguesa - A Pátria
Diana Carvalho
Mestre em História e Património, membro do Conselho Científico da Revista Herança e colunista em a Pátria. Está actualmente integrada como técnica nas escavações arqueológicas do Castelo de Leiria. É também autora de artigos científicos na vertente do Património Cultural e da História.