Medusa e Perseu – uma história que envolve uma mulher com serpentes na cabeça que transformava quem quer que a olhasse diretamente em pedra. Um herói que fez uma provocação fora de hora. Uma deusa irritada. Um rei ardiloso.
Misture tudo e você vai ter uma das mais fascinantes – e terríveis – histórias da mitologia grega.
A história de Medusa e Perseu
A história de Medusa e Perseu não é somente uma história de um herói matando um monstro.
Como em todas as histórias da mitologia grega, essa também compõe um intrincado quadro, uma rede formada por pequenos fios que se unem calculadamente.
E como quase tudo na mitologia grega (e na vida) essa também é uma história que começa com dois casos de obsessão sexual envolvendo deuses, reis e mortais.
Medusa e Perseu – quem era a Medusa
As versões do mito divergem quanto à questão da origem da Medusa, se ela já era um monstro ou se foi transformada depois.
O poeta Hesíodo, em sua Teogonia (700 a.C) conta que ela era filha de Fórcis (um deus antigo do mar) e Ceto (um monstro marinho) e irmã de Esteno e Euríale.
Fato curioso: Esteno e Euríale eram imortais, mas Medusa não. O motivo? Hesíodo não explica.
Medusa, escultura de Bernini, 1630
Há também duas versões relacionadas à aparência da Medusa.
O poeta Píndaro afirma, por volta de 400 a.C que as górgonas eram bonitas, com lindos cabelos.
Já Higino, em Fábulas (64 a.C) diz que elas eram criaturas horrendas. Seja como for, muitos relevos e estátuas apresentam Medusa com uma aparência suavizada, humanizada. Ela tem o rosto de uma jovem, e não de um monstro.
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Medusa e Perseu – problemas no paraíso
O destino da Medusa é selado quando ela tem uma desavença com a deusa Atena, a quem está fatalmente vinculada e que, de acordo com Martha Robles, é a responsável pela aparência e origem do monstro.
Aparentemente, a perseguição constante de Atena contra Medusa proveio de um de seus olímpicos ataques de ciúmes, quando certa noite a górgona se deitou com Poseidon no recinto de um de seus templos. Furibunda, a deusa transformou-a em um monstro alado de olhos deslumbrantes, com a língua permanentemente pendurada por entre presas de fera. Armou-a com garras afiadas e ornamentou-lhe a cabeça com serpentes em vez de cabelos. Depois, a condenou a converter em pedra todos os homens nos quais pousasse seu olhar. (Martha Robles – Mulheres, Mitos e Deusas: O Feminino Através dos Tempos)
Seja como for, o castigo de Atena só vem porque Medusa se deita com Poseidon, quando este fica completamente obcecado pela górgona – e esse é outro ponto em que as narrativas divergem.
Em algumas versões do mito, Medusa se deitou com o deus dos mares por vontade própria, em outras, ela é estuprada.
Medusa, de Peter Paul Rubens e Frans Snyder, 1618
https://en.wikipedia.org/wiki/Medusa_(Rubens)#/media/File:Rubens_Medusa.jpeg
Medusa e Perseu
De qualquer forma, se aceitarmos a segunda versão, é Medusa quem paga com a vida pela violência que sofreu, não só sendo morta por Perseu mas sendo estigmatizada como um monstro.
Quando Perseu precisa matar a Medusa, é a deusa Atena quem o ajuda na tarefa, dando a ele os instrumentos necessários e dizendo o que ele precisa fazer.
O plano do rei
Mas afinal qual a relação entre Medusa e Perseu ?
Porque Perseu teve que matar a Medusa? Se ela já havia sido amaldiçoada por ter se deitado com Poseidon, e vivia com as irmãs em uma espécie de covil, por que ela precisava morrer?
A resposta desta relação entre Medusa e Perseu vem de mais desejo de sexo.
Polidectes era o rei de Sérifo e se apaixonou por Dânae, mãe de Perseu.
Ele queria possui-la e decidiu que faria isso por bem ou por mal, mas tinha um problema: Perseu. Ele já era crescido, e podia muito bem proteger sua mãe. Então, para conseguir ficar com Dânae, Polidectes precisava se livrar do rapaz.
Perseu segurando a cabeça da Medusa, de Antonio Canova, 1797
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Para isso, ele armou um plano muito simples: fingiu que queria se casar com Hipodâmia, a filha do rei de Pisa.
Como mandava o costume, ele precisava reunir contribuições para o presente da noiva, e perguntou a Perseu o que ele daria, sabendo que o rapaz não tinha um cavalo nem ouro pra oferecer.
Então ele disse, de modo muito presunçoso, que seria capaz de trazer a cabeça da górgona Medusa.
É possível que Perseu acreditasse que Polidectes não aceitaria a oferta, já que era um trabalho quase impossível e que podia custar a vida do jovem, mas era exatamente o que o rei esperava que ele dissesse.
Dessa forma, Perseu teria de partir, quem sabe morrer, deixando o caminho livre para que Polidectes realizasse seu intento.
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Medusa e Perseu – A ajuda dos deuses
Decidido a cumprir a péssima promessa que fez, Perseu foi agraciado com a ajuda de Atena e Hermes.
Os deuses o equiparam para a tarefa. Atena deu ao herói um escudo, muito bem polido, que serviria para espelhar a Medusa, já que olhar diretamente para ela estava fora de questão. Hermes, por sua vez, deu a ele uma foice feita de diamantes, que serviria para decapitar a górgona.
O próximo passo era obter a ajuda das ninfas de Estígia, que lhe dariam sandálias aladas e o elmo que também seriam necessários. Para isso, ele precisava se dirigir às Graias, três velhas que tinham apenas um dente e um olho, que passavam de mão em mão, revezando quando necessário.
Medusa, de Caravaggio. 1598
As Graias eram irmãs das Górgonas (Ceto havia dado à luz a uma infinidade de monstros) e obviamente não queriam dar nenhuma informação que pudesse colocar a vida da Medusa em risco.
Enquanto elas passavam o dente e olho de mão em mão, Perseu os tomou, garantindo que devolveria se elas dissessem a localização das Ninfas. Então elas disseram.
Medusa e Perseu – a morte da Medusa
Completamente equipado, restava ir em busca da Medusa , na Ilha de Samos.
Com suas sandálias aladas, Perseu voou e encontrou as Górgonas dormindo, com as serpentes enroscadas na cabeça. Sem nenhum tipo de luta justa, e sem dar à Medusa a oportunidade de se defender, Perseu decepou a cabeça da górgona mortal e a colocou em seu alforje.
As irmãs de Medusa, Esteno e Euríale, ainda tentaram capturar o assassino, mas ele usava um capuz da escuridão, dado pelas ninfas também, e elas o perderam de vista, então voltaram à Ilha para chorar por sua irmã morta, em um triste lamento, um pranto terrível.
No caminho de volta, Perseu conhece Andrômeda (contarei essa história outro dia) e retorna para casa, descobrindo que sua mãe estava sendo terrivelmente perseguida por Polidectes.
Perseu transformando Polidecto e seus seguidores em pedra, de Luca Giordano, 1680.
Ainda com a cabeça da Medusa em seu alforje, Perseu vai até o rei durante um banquete, onde toda corte está reunida, e mostra a cabeça da górgona, transformando todos os presentes em pedra.
Quando sua promessa finalmente foi cumprida, Perseu entregou a cabeça da Medusa à deusa Atena, que a colocou no centro de sua couraça, como um tipo de ameaça aos inimigos.
A Atena Partenos Altemps, cópia do Museu Nacional Romano.
Medusa e Perseu – o que mudou com o tempo
Para a pesquisadora Martha Robles, as górgonas representam uma forma de ajudar os filhos da Terra contra o poder incontido dos deuses. Para ela:
Reinterpretadas ao longo do tempo, evocam as deformações da consciência consideradas, em psicanálise, pulsões pervertidas: sociabilidade, sexualidade e espiritualidade. (Martha Robles, em Mulheres, Mitos e Deusas: O feminino através dos tempos)
Tendo sido frequentemente representada na arte, no momento de sua morte, ou seja, ao ser decepada, as novas leituras que surgem ao longo do tempo podem transformar essa visão, pelo menos na produção artística, como na escultura de Luciano Garbati.
Medusa com a cabeça de Perseu, de Luciano Garbati, 2008
Nessa obra, Garbati inverte a história e nos faz ver o mito por um novo ângulo.
A peça também teve um marco polêmico, ao ser instalada diante do tribunal que condenou o produtor de cinema Harvey Weinstein em 2020 por crimes sexuais contra mulheres.
Rute Ferreira
Sou professora de Arte, com formação em Teatro, História da Arte e Museologia. Também sou especialista em Educação à Distância e atuo na educação básica. Escrevo regularmente no blog do Citaliarestauro.com e na Dailyartmagazine.com. Acredito firmemente que a história da arte é a verdadeira história da humanidade.