Conheça a história do Real Gabinete Português de Leitura | Uma das mais impressionantes bibliotecas históricas do mundo.
A sua fundação data de 1837 e situa-se no Rio de Janeiro, Brasil.
Texto por Emília Mori autora do curso online Linhas Gerais da Gestão Museológica e Património Cultural. O Real Gabinete Português de Leitura fica localizado no Rio de Janeiro (RJ –Brasil).
Foi criado com a finalidade de ampliar os conhecimentos aos portugueses residentes na capital na época do Império.
A criação corresponde a 15 anos após a Independência do Brasil, datada, mais precisamente, em 14 de maio de 1837, quando 43 emigrantes portugueses do Rio de Janeiro se reuniram na antiga rua Direita – atualmente Rua Primeiro de Março, número 20 – na residência do Doutor António José Coelho Lousada.
O primeiro Presidente da Biblioteca- de 1837 a 1842 – foi o advogado e jornalista Augusto José Marcelino Rocha Cabral, um dos perseguidos pelo poder absolutista em Portugal e foragido no Brasil.
Assim, com a preocupação do nível das instruções de seus compatriotas e por apreciarem demasiadamente a leitura, os fundadores do “Gabinete” se inspiraram na França.
Logo após a Revolução de 1789 criaram as “boutiques à lire” – lojas que emprestavam livros mediante pagamento de um valor estipulado e por prazo determinado.
Em meados do século XIX, impulsionadas pela república positivista e pela maçonaria, surgiram instituições em várias cidades do interior do Estado de São Paulo, com a denominação “gabinetes de leitura”.
Posteriormente se transformaram em bibliotecas municipais.
Diante de tamanhas proporções, os dirigentes pensaram em construir uma sede com maiores dimensões pela importância da instituição.
Com essa finalidade, foi adquirido um terreno na antiga rua Lampadosa e com as comemorações do tricentenário da morte de Camões (1880) impulsionaram a Corte Portuguesa em concretizar o projeto mesmo diante das crises às quais o país (Portugal) atravessava.
Para a arquitetura da Instituição, escolheram o projeto do arquiteto português Rafael da Silva Castro, o qual possuía traços neomanuelinos e evocava a epopéia de Camões.
Fachada do Real Gabinete Português de Leitura
História do Real Gabinete Português de Leitura
O Real Gabinete Português da Leitura transformou-se em biblioteca pública em 1900, onde qualquer pessoa teria acesso aos livros.
Logo após, um dos mais ilustres intelectuais brasileiros foi convidado a presidir a instituição: Benjamin Franklin de Ramiz Galvão.
Ernesto Cibrão recebeu o convite no mesmo mandato para organizar um novo catálogo do acervo bibliográfico, finalizado em 1906.
Nesse mesmo ano o título “Real” foi concedido pelo rei D. Carlos ao Gabinete Português de Leitura e – no salão dos Brasões – houve uma grande exposição de pinturas de José Malhôa.
Nesta exposição o Real Gabinete Português de Leitura adquiriu o quadro “O sonho do Infante”.
Essa exposição ainda contou com retratos do rei e da rainha – D. Amélia – a diretoria da Real e Benemérita Sociedade Portuguesa Caixa de Socorros D. Pedro V, até hoje foram mantidos no local.
Na década de 20, o Real Gabinete Português de Leitura inicia uma nova fase de sua existência.
Houve destaque a 2 homens:
Carlos Malheiro Dias – pelos seus trabalhos, suas pesquisas históricas e pela sua influência na formulação de estruturas que resultaram na criação da Federação das Associações Portuguesas em 1931.
E Albino Souza Cruz que vendeu sua fábrica de cigarros – Souza Cruz – aos ingleses e passou a se dedicar a ser o grande mecenas da instituição.
A “História da Colonização Portuguesa do Brasil”
Sob a direção literária de Carlos Malheiro Dias, direção artística de Roque Gameiro e cartográfica do Conselheiro Ernesto de Vasconcelos, foi constituída no Real Gabinete Português de Leitura a empresa – Litografia Nacional do Porto.
O objetivo foi editar, em fascículos, a monumental História da Colonização Portuguesa do Brasil, em comemoração ao 1º Centenário da Independência.
Houve a colaboração das mais eminentes figuras de Portugal e Brasil nas artes, nas ciências e na literatura:
Luciano Pereira da Silva, Duarte Leite, Júlio Dantas, Oliveira Lima, Paulo Merea, Pedro Azevedo, Antonio Baião, Jaime Cortesão, H. Lopes e E.M. Esteves Pereira e, o mais importante de todos, Carlos Malheiro Dias.
A História da Colonização Portuguesa chegou a atingir números impressionantes para época: 20.000 fascículos – com 12.000 distribuídos no Brasil e 8.000 em Portugal.
O Real Gabinete Português de Leitura realizou em 1931 o 1º Congresso dos Portugueses do Brasil, quando foi criada a Federação das Associações Portuguesas, com mais de 80 associações de todo o Brasil.
Estas estavam no mesmo organismo federativo que passou a ser, por tácito consenso, representante das aspirações e anseios coletivos.
Consequentemente, passaram a comemorar o “Dia de Portugal” na sede do Real Gabinete Português de Leitura , promovido pela Federação das Associações Portuguesas Luso-Brasileiras.
O governo português concedeu ao Real Gabinete Português de Leitura , em 15 de março de 1935, através do Decreto n◦25.134, a possibilidade de receber de todos os editores portugueses um exemplar das obras portuguesas com a permissão de atualização permanente da biblioteca.
Na década de 40 houve a criação do Instituto de Alta Cultura com intuito de desenvolver o intercambio cultural entre Portugal e Brasil.
Após o mecenato de Albino de Sousa Cruz e de mais alguns – Sousa Baptista, Conde Dias Garcia, Visconde de Morais, Garcia Saraiva, dentre outros, na década de 1950 a instituição teve grandes dificuldades financeiras.
Os “Gabinetes da Leitura, “Grêmios” e “Liceus” foram ignorados pela maioria de seus benfeitores.
Os mecenas desapareceram, os legados e codicilos ressaltaram somente as instituições assistenciais e religiosas, resultando em extrema penúria.
Dessa forma, as despesas eram rateadas pelas diretorias e mesmo assim não sendo suficiente.
Depois de muito tempo, o governo português, por alguns anos, no antigo regime, subsidiou cerca de 50 contos de reis para amenizar a crise que ameaçava a instituição.
Com a necessidade de mudar a sistemática anterior, várias vertentes foram alteradas:
Em 1969, na gestão do Presidente António Pedro Martins Rodrigues, para as atividades serem mais dinâmicas, criou-se o Centro de Estudos.
O seu primeiro diretor foi António Gomes da Costa – foram ministrados sistematicamente cursos e conferências ministrados por professores universitários.
O primeiro curso era a respeito dos “Aspectos da Arte Portuguesa do século XVIII”, pelo Professor Robert Chester Smith da Universidade da Pensilvânia.
Mesmo com todo esforço, dentre eles: campanhas financeiras, recebendo cidadãos de outros países de língua portuguesa em seus quadros sociais, não foram suficientes para subsistir.
Assim, várias empresas brasileiras, como o Banco Itaú, financiou todo processo de informatização da biblioteca, contribuindo para o desenvolvimento e manutenção do Real Gabinete Português de Leitura.
Além disso, relevante destacar a extraordinária ajuda ao longo dos últimos anos da Fundação Calouste Gulbenkian, que fornece os recursos necessários à aquisição e às obras do prédio contíguo ao Real Gabinete onde se encontra instalado todo centro de multimídia.
Cabe ressaltar o Ministério dos Negócios Estrangeiros de Portugal com sua permanente ajuda.
Há a cooperação ainda da Biblioteca Nacional ao Instituto Camões.
De empresas portuguesas e donativos da comunidade permitem ao Real Gabinete Português de Leitura o desenvolvimento de atividades desde a edição semestral da revista Convergência Lusíada até a recuperação de obras raras danificadas pelo tempo.
Pode conhecer os projetos e atividades do Real Gabinete neste link.
De seguida vamos olhar para o impressionante edifício do Real Gabinete Português de Leitura e sua fachada Neomanuelina.
Arquitetura
No auge das expansões marítimas portuguesas, sob o reinado de D. Manuel I (1491-1521), surgiu a arquitetura manuelina.
Caraterizada pela exuberância plástica, o naturalismo, a robustez, a dinâmica de curvas e inspirados na flora marítima da época dos Descobrimentos.
A exemplo: o Mosteiro dos Jerônimos, a Torre de Belém (Lisboa) e a janela manuelina do Convento de Cristo (Tomar).
Sob a inspiração nacionalista, no século XIX, houve um renascimento desse estilo (o neomanuelino), presente em obras de reforma do Mosteiro dos Jerônimos, na Estação do Rossio (Lisboa), na Câmara Municipal de Sintra, no Palacete da Regaleira e no Palace Hotel do Buçaco.
Em oposição ao neogótico – manifestação em diversos países da Europa – o neomanuelino representou, em Portugal, uma forma de “resistência da identidade nacional”.
No Brasil os principais exemplos neomanuelinos são: o Real Gabinete (Rio de Janeiro), o Gabinete Português de Leitura de Salvador (Bahia) e o Centro Português de Santos (SP).
Interior do RGPL – Foto de Edu Mendes
As várias localizações do Real Gabinete Português de Leitura
No século XIX, no Rio de Janeiro, não havia grande número de colônias portuguesas formando maiorias com interesses comuns.
Por esse motivo, pouco tempo após a Independência, tais elementos vieram fundar um centro associativo para possibilitar maior aprofundamento cultural.
Entre os associados, relevante papel desempenhado por Dr José Marcelino da Rocha Cabral, mentor espiritual da coletividade, bem como pelas ideias adiantadas de progresso e pela capacidade de concatenar o talento jornalístico e a capacidade de eloquente legista.
Outro destaque foi Francisco Alves Viana, responsável pela redação dos primeiros estatutos.
Em 14 de maio de 1837, na casa do advogado português Dr. António José Coelho Lousada, reuniram-se com outros quarenta e três imigrados e assinaram a “certidão de nascimento” do Gabinete Português de Leitura .
A primeira sede foi um sobrado, número 83 na rua S. Pedro.
Em 1842 foi transferida para rua Quitanda, num “belo prédio de três pavimentos, de fachada azulejada e beiral de telhas de canal esmaltadas em Alcobaça”.
Contudo, o espaço necessário para resguardar os numerosos livros precisava ser maior.
Assim, em 1850, a diretoria transferiu o Gabinete da Leitura para rua dos Beneditinos.
A partir de 1861, como se não bastasse, a biblioteca não parava de aumentar e o edifício parou de suprir as exigências da associação em construir uma casa própria que atendesse as necessidades e objetivos da instituição.
Foi necessário em 1871 a compra pela diretoria do prédio onde funcionava o Hotel São Pedro, na rua Lampadosa – atual Luís de Camões – perto da rua do Ouvidor e da rua Quitanda.
Em 1872, o relator do parecer de contas afirmou: “O Gabinete Português de Leitura , no Rio de Janeiro, terá um edifício digno de acolher seus livros, os tantos milhares de bons amigos que aqui nos rodeiam neste acanhado tabernáculo, em cujos altares não cabe nem mais um ídolo.
Erija-se pois o templo, ou, mais parecidamente, construa-se o arsenal das armas da inteligência, onde o espírito venha revestir-se de aptidão e força para as grandes conquistas do progresso”.
O comendador Miguel Couto dos Santos e o vice-diretor João Maria de Miranda Leone incubiram os responsáveis do gabinete dois projetos destinados à livraria.
O primeiro era do arquiteto Pedro Bosisio “ao gosto da renascença italiana”, e o segundo, evocava a epopeia de Camões, poesia épica, traçada por Rafael da Silva Castro que “adotava no seu desenho a arquitetura manuelina, que no edifício dos Jeronymos em Belém, consubstanciou o que Camões fez na poesia épica, e frei Luís de Souza na prosa descritiva”.
O arquiteto fez uma carta-memória descritiva onde anunciava utilizar na fachada, bem como no edifício todo o estilo manuelino, com especialidade a arquitetura da igreja dos Jerônimos.
Castro se posicionava no romantismo, criando ambientes carregados de inspirações culturais e emotivas, resultados do que atribuía aos desejos da elite local.
Com o tricentenário da morte de Camões se aproximando, a diretoria, em seu relatório de 1878 lançou a ideia de aderir às comemorações.
A hipótese foi concretizada, ligando o Gabinete ao nome do poeta, tendo início, simbolicamente à construção da sua nova sede.
Além disso, foi publicada edição especial “Os Lusíadas” (inclusive feita na casa lisboeta de Castro Irmão), promoveu iluminações e outras manifestações.
Em 1880, os responsáveis pelo Gabinete optaram pelo projeto de Silva e Castro e, em 10 de Junho de 1880, o Imperador lançou a pedra fundamental do edifício.
O evento teve a presença das autoridades representativas da cidade, além de muitos convidados.
Os trabalhos não foram iniciados com o lançamento da pedra fundamental.
Muito embora “a inauguração da nova biblioteca estivesse fixada para 10 de Junho de 1884”, a pedra da fachada foi encomendada e seria trabalhada em Lisboa e o ferro importado da Europa.
A fachada do Real Gabinete Português de Leitura
A fachada foi ornamentada por estátuas feitas pelo escultor Simões de Almeida e fornecimento da cantaria por Germano José de Sales, ambos contratados, em novembro de 1881 pelo Visconde do Rio Vez, representante do Gabinete.
A construção do edifício estava conforme o programa e previa a representação de D. Henrique, Luís de Camões, Vasco da Gama e Pedro Álvares Cabral.
Na fachada ainda há esculturado 4 medalhões que representam Fernão Lopes, Gil Vicente, Alexandre Herculano e Garrett.
Os dois últimos estão esculpidos no portal de entrada e simbolizam a representação como “guardiões eternos daquele templo do saber humano”.
A inauguração ocorreu somente em 22 de dezembro de 1888, um ano e doze dias após o quinquagésimo aniversário da fundação do Real Gabinete.
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Cooperadores do Real Gabinete Português de Leitura
- Biblioteca Nacional de Portugal.
- Camões – Instituto da Cooperação e da Língua, I. P.
- Casa Cruz Papéis e Vidros Ltda.
- Entremares Hotéis Ltda.
- Fundação Calouste Gulbenkian.
- Itaú Unibanco S/A.
- Liceu Literário Português.
- Real e Benemérita Soc. Portuguesa Caixa de Socorros D. Pedro V.
- TAP Air Portugal.
Localização:
Real Gabinete Português de Leitura
Rua Luís de Camões, 30 – Centro, Rio de Janeiro – RJ, 20051-020
Referências Bibliográficas:
1.- COSTA, A. Gomes. Real Gabinete Português de Leitura. Disponível em: http://www.realgabinete.com.br/portalweb/In%C3%ADcio/ORealGabinete.aspx. Acesso em: 13 de janeiro de 2019.
2.- ANACLETO, Regina. Real Gabinete Português de Leitura – Arquitetura. Disponível em: http://www.realgabinete.com.br/portalweb/In%C3%ADcio/ORealGabinete.aspx. Acesso em 15 de janeiro de 2019.
3.- Estilo Manuelino, Wikipedia. Editado em: 28 de junho de 2018. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Estilo_neomanuelino . Acessado em 15 de janeiro de 2019.
4.- DUARTE, J Renato A. Artigo: “Real Gabinete Português de Leitura”. Disponível em: https://www.riodejaneiroaqui.com/portugues/real_gab_leitura.html . Acesso em: 16 de janeiro de 2019.
5.- CHAVES, Felipe. Artigo:A Beleza do Real Gabinete Português de Leitura! Horários e fotos. Escrito em: 07 de novembro de 2016 e atualizado em: 14 de março de 2017. Disponível em: https://www.greenme.com.br/viajar/4298-real-gabinete-portugues-de-leitura . Acessado em: 15 de janeiro de 2019.
Emília Mori
Colaboradora no “Citaliarestauro.com” – Criação e tutoria do Curso “Linhas Gerais da Gestão Museológica” e do Curso “Patrimônio Cultural” e vários artigos. Experiência profissional nas áreas da docência e museologia. Pós Graduação em Gestão e Ensino a Distância; Graduação em História; Pós-graduação em Gestão Museológica; Pós-graduação em Docência; Graduação em Direito; Pós graduação em Patrimônio Cultural.