Vamos conhecer os pioneiros da fotografia cientifica em mais um artigo dedicado à história da fotografia no nosso blogue.
Desde os primórdios da história da fotografia que este novo meio de captar imagens foi visto como uma poderosa ferramenta ao serviço da arte, da ciência, da intervenção social, do entretenimento.
Dedicámos já alguns artigos aos pioneiros da fotografia e suas formas de utilização inovadoras que pode ler carregando nos links.
O final do Sec. XIX ficou marcado pelo entusiasmo pelo progresso técnico e cientifico. Cientistas de várias áreas perceberam as potencialidades oferecidas pela fotografia cientifica para o desenvolvimento das suas investigações. As novas técnicas fotográficas tornam-se assim uma ferramenta importante ao serviço das ciências humanas.
No século XIX alguns cientistas, de diversas áreas das ciências humanas, utilizaram a fotografia como meio auxiliar no desenvolvimento dos seus estudos, com o fim de registar, catalogar e arquivar, através das características fisionómicas, o indivíduo. São exemplo disso, os cientistas Duchenne de Boulogne, Hugh Diamond, Francis Galton e Alphonse Bertillon.
fotografia cientifica | a fotografia médica
Duchenne de Boulogne (1806-1875)
Médico, neurologista, fotógrafo francês e membro da Sociedade de Medicina de Paris. Duchenne foi especialista no campo da eletrofisiologia. Influenciado pelos estudos de fisionomia que se faziam na época, conduziu uma das experiências mais impressionantes, a electroestimulação dos músculos faciais. Estes eram estimulados com choques, provocados por sondas metálicas eletrificadas, sendo a gravação das expressões resultantes (muitas delas distorcidas e grotescas), realizadas pela recente câmara fotográfica. Duchenne compreendeu a função comunicativa da fotografia e os princípios do enquadramento e da luz, os quais aplicava no seu trabalho. Utilizava o processo colódio húmido e tinha um enorme cuidado com a iluminação, utilizando uma luz coada de modo a que os vincos e os músculos faciais estimulados pelos impulsos elétricos ficassem claramente definidos, não deixando de se preocupar com a pose do retratado. As suas imagens apresentavam fundo neutro de modo a criar uma atmosfera anónima. Duchenne aconselhou-se com respeitados fotógrafos, notando-se nos seus trabalhos influência de Nadar na iluminação. Em 1862 publicou o livro intitulado Mecanisme de la Physionomie Humaine, ilustrado com as suas fotografias, que dado o vasto leque de expressões, serviu também como base de estudo na formação dos artistas das Belas-Artes.
Curiosidade
O sorriso de Duchenne tem uma nuance única e excepcional e é gerado pela emoção positiva e pela alegria, que é transmitida através de uma combinação sutil de diferentes músculos.
Este é um tipo de sorriso que se origina com a contração dos músculos zigomático maior e zigomático menor próximos à boca, que, por sua vez, elevam os cantos dos lábios.
Além disso, aqui vem a singular nuance: pequenas rugas são formadas ao redor dos olhos quando as bochechas e o músculo orbicular se contraem perto dos olhos (orbicularis oculi).
A fotografia cientifica e os estudos de Duchenne são utilizados atualmente nas artes cénicas.
(In: https://amenteemaravilhosa.com.br/poder-sorriso-de-duchenne/)
fotografia cientifica | a fotografia psiquiátrica
Hugh Welch (1809-1886)
Fotógrafo inglês e médico de profissão, especializou-se no tratamento de doentes mentais e foi diretor do asilo em Surrey, um hospital psiquiátrico para mulheres. Apaixonado pela fotografia foi um dos fundadores da Royal Photographic Society, tendo promovido o desenvolvimento e a divulgação deste novo invento. Trabalhando na crença de que as expressões faciais manifestavam os estados mentais, levou-o a desenvolver um estudo que envolvia a utilização da fotografia, como meio de registo dos seus pacientes, afim de diagnosticar a sua doença a partir das características fisionómicas. Este campo da ciência, conhecido por morphopsycology, foi desenvolvido no século XIX.
Diamond usou as fotografias não só como forma de registo e arquivamento dos diferentes tipos de insanidade, como também as utilizou para acompanhar a evolução do paciente e em alguns casos contribuir para a sua recuperação. Com esta investigação Diamond foi considerado o “pai da fotografia psiquiátrica”.
fotografia cientifica | o retrato composto
Francis Galton (1822-1911)
Antropólogo, estatístico e matemático inglês, trabalhou no estudo da hereditariedade fundando a ciência da Eugenia – melhoramento das raças humanas. A paixão de Galton pela fisionomia e pela fotografia, levou-o a desenvolver o processo Composite Photography, com o qual criava retratos tipológicos. O retrato composto envolvia a exposição de um número arbitrário de retratos individuais de um determinado grupo de pessoas, numa mesma chapa fotográfica, com um tempo de exposição selecionado em função do número de retratos usados. A sobreposição dos retratos fazia desaparecer os traços individuais, os que não eram partilhados pelos vários indivíduos e eram acentuadas as características fisionómicas dominantes, comuns ao grupo. O processo de composição resultou na produção de uma imagem um pouco turva, embora os traços comuns surgissem acentuados.
Com estas fotografias compostas, Galton demonstrava as características fisionómicas de determinados grupos culturais, raças e classes, incluindo criminosos e doentes mentais. Sobre o retrato composto Galton escreveu, que não tinha retratado nenhum tipo específico de pessoa, mas sim uma figura imaginária, dotada de características médias de um grupo específico. Este representava o retrato de um tipo e não de um indivíduo.
fotografia cientifica | a fotografia forense
Alphonse Bertillon (1853-1812)
Criminologista e antropólogo francês, foi o precursor da identificação humana. Diretor do serviço de fotografia, no sector de arquivamento, da polícia da Prefeitura de Paris, criou o sistema “Antropometria Judiciária”. Bertillon acreditava que as pessoas com determinadas características fisionómicas, eram suscetíveis de serem criminosas, e que poderiam ser identificadas através de características físicas. Com base nesta ideia os indivíduos eram assim identificados, através das medidas da cabeça e do corpo, forma das orelhas, sobrancelhas, boca e olhos e marcas individuais, tais como tatuagens e cicatrizes. Estas medições eram então registadas em cartões padronizados, que também suportavam uma fotografia de frente e outra de perfil do suspeito.
Uma das contribuições mais importantes de Bertillon, para a ciência forense, foi o uso sistemático da fotografia para documentar cenas de crime, com o objectivo de criar provas e de estudar o corpo e as circunstâncias da morte da vítima. Usando uma câmara montada num tripé alto, com a lente da máquina apontada para o chão, realizava vistas da cena de cima para baixo, para gravar todos os detalhes nas imediações do corpo da vítima. A fotografia cientifica servia então, como documento de visualização da cena do crime, antes de esta ter sido perturbada pelos investigadores.
No século XIX, nos mais variados campos das ciências humanas, os estudos científicos baseados na fisionomia humana deixou-nos um interessantíssimo legado de imagens fotográficas, para a História da Fotografia.
Referências Bibliográficas
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SOUGEZ, Marie-Loup, História da Fotografia, Dinalivro,2001.
Bárbara de Castro Ferreira
Licenciada em Conservação e Restauro. Curso de Fotografia de Longa Duração, pelo IADE-Instituto de Artes Visuais, Design e Marketing. Técnica de Gestão e Recuperação de Jardins Históricos e Espaços Verdes. Trabalho na recuperação e manutenção de jardins históricos. Vários prémios e exposições em Fotografia com trabalhos editados.