3 Restauros de Arte que correram mal. Porquê?

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Infelizmente somos com frequência confrontados com notícias sobre restauros de arte que alteraram de forma radical as obras de arte originais tornando-as por vezes irreconhecíveis.

E, mais, estes restauros de arte são por vezes irreversíveis tornando impossível recuperar os materiais originais ou a legibilidade da obra de arte.

Para além da indignação, este artigo pretende refletir sobre o Porquê olhando para 3 restauros de arte que correram mal e nalguns dos quais não foram seguidos os princípios básicos de intervenção em conservação e restauro.

Assumindo que estas ações não são deliberadamente destrutivas. Porque continuam a acontecer?

Os 5 princípios básicos da conservação e restauro

Não é demais relembrar sinteticamente os 5 princípios básicos da conservação e restauro que não foram obviamente seguidos em alguns dos restauros de arte que analisaremos a seguir.

1 – Compatibilidade com os materiais originais

Não produzindo danos físicos ou estéticos aos mesmos.

2 – Respeito pelo original

Não se pode falsificar, ocultar, ou inventar partes ou áreas que não existem e que desvirtuem a leitura inicial da obra.

3 – Intervenção mínima

Efetuando somente o mínimo indispensável, evitando provocar «stress» físico à obra e garantindo manter as informações históricas e constituintes da peça.

4 – Reversibilidade da intervenção

Ao nível dos materiais e técnicas, sem danificar o original.

5  – Reconhecimento da intervenção

Distinguindo-a da original sem causar distúrbios à leitura e longevidade da obra.

3 Restauros de Arte que correram mal

 

1 – Ecce Homo, Borja, Espanha

Restauro desastroso de Ecce Homo

Comecemos por um dos mais mediáticos restauros de arte que correram muito mal desvirtuando e tornando irreversível a obra de arte original.

O pintor e professor espanhol Elías García Martinez produziu a obra Ecce Homo por volta de 1930, na qual representa Jesus com uma coroa de espinhos. A obra é uma pintura mural a fresco que se encontra no Santuário da Misericórdia de Borja, Espanha. Ninguém deu muita atenção à obra até 2012, quando a paroquiana Cecilia Gimenez, na época com 82 anos, decidiu restaurá-la.

O resultado foi desastroso.

Porque aconteceu?

Neste caso os 5 princípios básicos de intervenção em conservação e restauro foram todos esquecidos, ou melhor, quem executou o trabalho não os conheceria de todo.

Mas não só o executante, quem tem à sua guarda obras de valor patrimonial tem igualmente a obrigação de conhecer estes princípios básicos e controlar devidamente a intervenção.

Vão acontecendo, felizmente com cada vez menos frequência, restauros de arte realizados por pessoas de boa vontade com algum jeito para as artes que voluntariamente e sem retribuição monetária intervêm em obras de valor patrimonial.

No entanto, boa vontade não é igual a conhecimento técnico de conservação e restauro .

O que aconteceu a seguir?

Após este episódio, a cidade de poucos habitantes e a restauradora ficaram famosos. Muitas pessoas resolveram viajar para conhecer a pintura danificada e esta tornou-se um fenômeno turístico: um ano após, a igreja já contava com cerca de 40.000 visitas e mais de 50.000 euros para uma instituição de caridade local.


 

2 – Jessé, Capela Sistina, Vaticano

Antes e depois do restauro de Jessé, Capela Sistina, Vaticano

Um dos mais famosos e polémicos restauros de arte aconteceu no Vaticano. Entre 1980 e 1999 os frescos da Capela Sistina, obra prima de Miguel Ângelo,  foram objeto de trabalhos de restauro numa das mais mediáticas e polémicas intervenções realizadas até então.

Graças a esse trabalho, Jessé ficou cego. Isto aconteceu porque os restauradores removeram a sujidade acumulada nos frescos para atingir as suas camadas mais profundas e acabaram por alterar os acabamentos e retoques que o próprio Michelangelo havia feito.

O trabalho gerou polémica, e segundo especialistas seria estranho supor que o artista tivesse pintado os seus personagens sem olhos.

As mesmas críticas se aplicaram a outras partes da Capela Sistina, no Vaticano,  defendendo os peritos que a limpeza dos frescos de Miguel Ângelo, embora tendo revelado as cores do original,  teria eliminado muitos detalhes e sombreados realizados pelo artista.

conservação e restauro de bens culturais

Porque aconteceu?

Em oposição ao caso apresentado inicialmente os restauros de arte na Capela Sistina foram realizados por uma equipa altamente especializada de restauradores apoiados por equipas científicas interdisciplinares.

O diagnóstico, preparação e execução dos trabalhos foram realizados por equipas de técnicos de conservação e restauro e foram seguidos os princípios básicos de intervenção.

A polémica centra-se na opção metodológica definida para a limpeza “remover tudo o que havia acima da camada realizada em buon fresco”, pintado quando a camada de base ainda está húmida.

Os críticos defendem que esta opção levou à eliminação de acabamentos do próprio Miguel Ângelo, que teriam sido pintados a seco depois do buon fresco secar.

Este e outros restauros de arte levam-nos a refletir sobre a definição dos limites de intervenção sobretudo no que respeita à fase de limpeza, não esquecendo nunca que Tudo o que for removido na limpeza não pode ser recuperado.


 

3 – A Virgem Maria e o Menino Jesus, Canadá

obras de restauro de arte erardas

O terceiro dos restauros de arte que correu mal está localizado na Igreja de Sainte-Anne des Pins, no Canadá.

Tudo começou quando a figura foi vandalizada e o menino perdeu a cabeça. A artista local Heather Wise gentilmente ofereceu-se para consertar a obra e passou várias horas esculpindo a argila numa estátua de pedra.

obra de arte vandalizada Canadá

O resultado? Bem, certamente deve ter agradado os fãs de Os Simpsons, pois os internautas logo observaram a semelhança do novo menino com Maggie Simpson… Os fiéis, por outro lado, ficaram um pouco dececionados.

Felizmente, a repercussão deste restauro de arte bizarra foi tão grande que a cabeça original foi encontrada e devolvida.

Nossa Senhora com o menino

Entretanto, em junho desse ano a escultura foi novamente vandalizada – de novo a cabeça do menino Jesus foi levada.

De acordo com a administração da igreja, este é apenas um entre os frequentes atos de vandalismo que a instituição enfrenta, que incluem fios cortados e lâmpadas quebradas. O conselho administrativo está estudando a possibilidade de pôr uma cerca ou de retirar a estátua da área externa da igreja, a fim de protegê-la, e só então seguir com um novo restauro.

Porque aconteceu?

De novo trata-se de um dos restauros de arte realizado por uma artista local e no qual não foram seguidos os princípios básicos de conservação e restauro nomeadamente relativamente ao respeito pelo original e compatibilidade de materiais.

Deve-nos lembrar que, por muito bom que seja, um artista não é um técnico de conservação e restauro e a iniciativa de criação de partes da obra de arte desaparecidas é indesejável por muitas razões mas sobretudo porque as nossas referências artísticas e estéticas são forçosamente muito diferentes das da época em que a obra foi produzida.

Este artigo tem por base texto de Rute Ferreira autora de cursos online com certificado da Citaliarestauro.com

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