e o tempo da peregrinação … no qual “estamos sempre em errância e em luta”…

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A peregrinação teve uma enorme importância na Idade Média podendo mesmo ser considerada determinante no desenvolvimento de algumas Cidades medievais ou Regiões.


peregrinação Imagem de capa: detalhe de vitral da Catedral de Canterbury.


“e o tempo da peregrinação, no curso do qual “estamos sempre em errância e em luta”

Le Goff, Jacques.

Nesta passagem de Le Goff em que cita Tiago de Varazze está resumida a realidade e a busca do peregrino.

o peregrino

A palavra peregrino tem uma das suas primeiras aparições em uma lei romana datada de 247 AC em latim, no seu sentido mais essencial significa “aquele que não tem pátria”.

As primeiras peregrinações do Cristianismo datam do século IV, tinham como destino a Terra Santa. Já em português, língua vernacular, o termo peregrino surge na primeira metade do século XIII para designar cristãos que viajavam à Roma ou à Terra Santa. Destas peregrinações a Jerusalém sucederiam mais tarde as Cruzadas, criadas com o objetivo de reconquistar estes lugares sagrados cristãos que estavam sob domínio de povos de outras religiões.

o que é um peregrino

Então o que é um peregrino. Em uma espécie de voto monástico, o peregrino abria mão da sua morada, do conforto do seu lar, da convivência com seus entes queridos, até de seu ofício e consequentemente de seu sustento.

Para a atualidade é impensável, mas o peregrinante se lançava em uma jornada da qual não sabia se retornaria. Eram frequentes os falecimentos no decorrer do caminho, por doenças, percalços com bandidos, acidentes ou por contratempos oriundos de erros nas rotas e condições climáticas adversas, de forma tal que havia a prática de fazer testamento antes da partida. O andarilho de uma só vez se tornava vulnerável, miserável, privado de sua família e amigos.

origens da peregrinação

As peregrinações ganharam grande notoriedade e são largamente associadas à Idade Média, principalmente por influência das pregações de São Jerônimo. As origens da peregrinação são muito anteriores, em tempos bastante remotos e primitivos onde predominava o paganismo. Existem indícios de que em antigos locais de peregrinação pagã foram instituídos novos santuários cristãos, com intuito de dissipar a herança cultural e religiosa dos seus predecessores. Um exemplo disto é a Catedral de Santiago de Compostela que foi construída sobre uma outra rota mais antiga de peregrinação à costa ocidental europeia para assistir o sol, Deus, morrer no mar e ressuscitar no dia seguinte em Finisterra na Galiza.

o que é peregrinar na Idade Média

Peregrinar na Idade Média tinha como objetivos a obtenção de um milagre, o pagamento de uma promessa, a purificação e a salvação da alma.

Para este últimos, a busca de salvação geralmente passa por empreender os mais longos percursos, ou munir-se do mínimo para a sobrevivência, a fim de suportar os maiores sacrifícios e encontrar iluminação divina. Alguns realizavam diversas vezes a peregrinação, assim como Facio de Cremona, que teria seguido o caminho a Santiago de Compostela dezoito vezes.

peregrinação camino de santiagoHaviam ainda peregrinos que tinham suas viagens impostas pela Igreja em expiação de pecados graves, a peregrinação penitencial às vezes incluía punições públicas consideradas merecidas pelos pecadores.

Nos séculos XIII e, principalmente, no XIV, tribunais laicos inspirados nestas peregrinações impostas, passaram a sentenciar condenados enviando-os em peregrinações penitenciais, uma prática mais largamente usada nas regiões da Germânia e dos Países Baixos. Estes peregrinos deviam atestar a realização da peregrinação exigida através de relíquias ou símbolos dos locais visitados, como por exemplo a concha de vieira símbolo dos peregrinos a Santiago de Compostela.

direitos do peregrino

O peregrino, munido de faixa e bastão, é protegido durante a viagem por um direito específico, o mesmo é isento de impostos de passagem e protegido de uma possível prisão arbitrária.

Há um édito do Rei Afonso IX de Leão e Castela datado de 1226 a proibir que os seus vassalos que detivessem terras no caminho de Santiago de Compostela importunassem ou impedissem os peregrinos de seguir o seu percurso. Além disto medidas conservadoras permitiam que os negócios de um peregrino fossem confiados a terceiros e até que dívidas fossem pagas com atraso.

pilgrimage Codex Calixtinus

o Codex Calixtinus

Do século XII, o Codex Calixtinus ou Compostellus, atribuído a Aymeric Picaud, era uma compilação de livros que reunia liturgia, história e um guia para o peregrino. O livro V se destinava ao peregrino e continha mapas, descrições, nomes de estalagens, informações sobre fontes de água potável e comida. Tudo para orientar o viajante e para guarda-lo de perigos do trajeto. A importância desta compilação é enorme, se dermos conta de que apenas bem mais tarde, no século XVI, Palladio escreve seu famoso Guia de Roma, considerado o surgimento da literatura de viagem, gênero utilizado até os dias atuais.

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Bibliografia

CABANAS, M. Morán. O Caminho de Santiago como ‘Primeiro Itinerário Cultural Europeu’ e a peregrinação de mulheres santificadas na Europa medieval (Santa Isabel de Portugal e Santa Brígida da Suécia)”

HUIZINGA. J. O declínio da Idade Média. Braga: Ulisseia, 1999

LE GOFF, Jacques. Em busca do tempo sagrado: Tiago de Varazze e a Lenda Dourada. Civilização Brasileira.

LE GOFF, J.; SCHMITT. Dicionário temático do ocidente medieval. Bauru:

Edusc, 2002, 2 vols.

PURKIS, William J. Crusading Spirituality in the Holy Land and Iberia, C.1095-c.1187

RUNCIMAN, Steven. História das Cruzadas Vol. I: A Primeira Cruzada e a Fundação do Reino de Jerusalém. Rio de Janeiro: Imago, 2005.

SIGAL, André. Como se vivia na Idade Média. Editora Pergaminho, 2001.

VAUCHEZ, André. A Espiritualidade da Idade Média Ocidental

Séculos VIII – XIII. Editorial Estampa, 1995

Links

https://sites.google.com/site/caminodesantiagoproject/home

http://www.arsliber.com/bibliofilia/codex-calixtinus/libro-v-liber-peregrinationis-guia-del-peregrino/index.html

Marina Barros Cabral

Marina Barros Cabral

Licenciada em Artes Cênica com habilitação em Indumentária pela Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro e licenciada em ensino de artes visuais pela UNILAGOS. Atuou como educadora artística bilíngue no ensino básico e como compradora de moda. Atualmente cursando Mestrado em História da Arte, Património e cultura visual na Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Apaixonada por Artes Visuais, História da arte, filosofia, cultura, estética, património, curadoria e restauro.

Área de concentração Arte medieval e renascentista. Colabora com a Citaliarestauro.com, nas áreas de História da Arte e Estudos Medievais.

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