O que marcou o inicio da Idade Média e que contexto histórico esteve na base deste período cronológico e cultural?
Dois marcos históricos que estão interligados e detêm grande responsabilidade pelo início do período cronológico e cultural denominado de Idade Média foram:
a progressiva queda do império romano a ocidente (27 a.C.-476 d.C.),
e a simultânea penetração e implantação dos povos bárbaros nos seus territórios.
inicio da Idade média | a degradação das instituições romanas
A estrutura política, social, económica e cultural conhecida como o império romano, estendeu-se sobre a quase totalidade do continente europeu, norte de África e Médio Oriente. Durante o seu meio século de governação inicia-se um processo de degradação e progressiva substituição de instituições, formas de organização social e mentalidades, observada sob diversos fenómenos:
A decadência das urbs (cidades), através das quais os romanos desenvolveram e mantiveram o seu sistema administrativo e de comunicação, fez-se sentir através da perda de territórios, da degradação topográfica e do abandono dos edifícios públicos. A degradação das estruturas administrativas é reportada quer no plano provincial quer no plano central, com a instabilidade e corrupção dos seus órgãos, nomeadamente das instituições fiscais e judiciais.
Observou-se também a decadência cultural, por imposição de novas condições sociais e de uma religião monoteísta, o cristianismo. A moeda perde importância e valor financeiro, derivado da diminuição dos recursos para a produzir, e da existência de outras realidades monetárias em vigor. Por último, a fragmentação do poder militar, que se revelou na perda da sua eficácia e na perda do controlo das suas instâncias. Para todos estes aspectos concorreram quer a própria instabilidade interna do império, quer o permanente clima bélico derivado das diversas ofensivas bárbaras.
o inicio da Idade Média | a invasão dos povos bárbaros
Contudo, o acontecimento que oficializa a queda do império romano a ocidente sucede com a destituição do último imperador, Rómulo Augústulo, em 476 d.C., por Odoacro, um chefe de proveniência huna, que assumiu o poder em Itália. A oriente, o imperador Zenão deu continuidade à política e formas de organização do império romano, mas não reconheceu a autoridade de Odoacro. Recorre a Teodorico, rei dos Ostrogodos, para invadir a península, porém, após vários conflitos o exército ostrogodo neutralizou o adversário passando a governar a Itália a partir de 493 d.C. Teodorico tornou-se representante do poder imperial a ocidente e estendeu a sua influência aos restantes reinos bárbaros arianos: visigodos; burgúndios; vândalos.
Recapitulando, a progressiva decadência do império romano a ocidente aliada à fusão dos seus modelos de governação com os da organização bárbara, sobretudo de base germânica e ariana, são as razões pelas quais o continente europeu adoptou uma identidade civilizacional totalmente distinta da anterior.
o inicio da Idade Média | novos modelos sociais e económicos
As alterações daí resultantes foram o surgimento de uma nova economia agrária em detrimento de uma economia mercantil, derivando na transformação do carácter da sociedade para uma de natureza predominantemente rural. Surgem os pequenos proprietários e uma nova unidade de exploração agrícola familiar em redor da habitação, o mansus, integrada na grande propriedade de um senhor, a Villae. Neste novo contexto as receitas geradas provêm essencialmente de impostos indirectos.
As cidades, ou urbes, perderam volume demográfico e importância económica, o que contribuiu para a alteração da mentalidade de uma sociedade anteriormente cosmopolita para uma sociedade fechada e insegura, onde proliferaram novas forma de organização social como sucedeu com a preferência pelo estabelecimento de laços de dependência a troco de protecção e trabalho, de que foram exemplo os laços de vassalagem e o regime do feudalismo.
Desapareceu da noção de Estado enquanto órgão central e do bem público e surge a noção de reino e de propriedade privada, todavia fragmentária. Em termos religiosos e culturais o cristianismo dá continuidade à sua expansão, com reforço do monasticismo, e o acesso à educação torna-se privilégio das famílias aristocráticas.
Mestre em História e Património, membro do Conselho Científico da Revista Herança e colunista em a Pátria. Está actualmente integrada como técnica nas escavações arqueológicas do Castelo de Leiria. É também autora de artigos científicos na vertente do Património Cultural e da História.
Bibliografia
NICHOLAS, D. (1999). Os Precursores de uma Civilização. In A Evolução do Mundo Medieval. Sociedade, governo e pensamento na Europa: 312-1500. Lisboa, Publicações Europa-América.
Artigo publicado no Jornal da comunidade cientifica de língua portuguesa – A Pátria.