O que se entende por neolítico ? Porque se fala na revolução neolítica? Que vestígios arqueológicos refletem esta revolução no modo de vida? Como surgiu o neolítico no território português?
Conheça algumas respostas a estas questões no artigo.
o que se entende por neolítico
O Neolítico é uma fase cronológica e cultural da pré-história, sita entre o VI e o V milénio a.C., que se caracteriza por uma revolução no estilo de vida das comunidades humanas.
Deixam de ser nómadas e com uma economia de subsistência assente na caça, na pesca e na recolecção, para dar lugar a uma economia de produção, com base numa gradual sedentarização territorial em zonas férteis, onde o seu domínio, conhecimento e controle se traduziu nas primeiras técnicas agrícolas, embora muito incipientes, e na domesticação de animais para consumo e trabalho.
a revolução neolítica
Por revolução entenda-se que, se as comunidades humanas pré-históricas tivessem mantido o nomadismo e os métodos de sobrevivência compatíveis com esse estilo de vida, a realidade social que hoje conhecemos não teria o mesmo aspecto.
Naturalmente que estas alterações provocaram a necessidade de aperfeiçoar e criar novas ferramentas que servissem estes novos propósitos, como foi o caso do aparecimento da cerâmica e dos instrumentos de pedra polida. Esse polimento não existia anteriormente.
Uma vez que estamos no domínio da Pré-História, em que o ser humano não documentou os seus passos numa linguagem e registo escrito, deixando apenas vestígios materiais do seu quotidiano ao longo do tempo nas várias camadas do solo, a denominação “Neolítico”, ou “nova pedra”, advém daquilo que o arquivo da terra deste período cronológico demonstrou como sendo de maior importância para essas comunidades.
a origem do neolítico no território português
Porém, não é fácil apreender o passado através dos seus vestígios sem que haja uma tentativa de interpretar o pensamento ou as circunstâncias das mulheres e homens que lhes deram origem. Deste modo os arqueólogos e historiadores têm tentado explicar a génese do fenómeno Neolítico em Portugal através de duas teorias, o modelo indigenista e o modelo difusionista.
o modelo indigenista
O primeiro foi atribuído a C. Tavares da Silva e Joaquina Sorares, e assenta sobre argumentos que concorrem para uma gradual aprendizagem e desenvolvimento de novas tecnologias produtivas por parte das populações mesolíticas autóctones, provocado por desequilíbrios na demografia das comunidades e no ecossistema. Isto é, o crescimento das populações e as alterações no clima levaram a que as economias de subsistência então conhecidas deixassem de poder ser praticadas e, por consequência, que se repensassem os métodos de sobrevivência, assim derivando para a domesticação animal e vegetal.
o modelo difusionista
O segundo modelo, o difusionista, defendido por João Zilhão, explica o fenómeno através da colonização do território português por comunidades exógenas, pela via marítima, que se estabeleceram em locais circunscritos. A teoria diz que essas comunidades já seriam conhecedoras quer da agricultura quer da domesticação animal, e teriam difundido os seus conhecimentos pelas comunidades autóctones em redor.
Ambas as teorias são compatíveis uma vez que os dois estilos de vida coexistiram nas mesmas áreas geográficas e o processo de evolução da expressão cultural e económica apenas gradualmente se foi tornando mais homogéneo.
a maior expressão da teoria difusionista
Porém, a teoria difusionista é aquela que tem maior expressão quer no território português quer na europa. Um documentário espanhol intitulado “El Neolitico, puerta de la civilización” demonstra que, nesta fase, já existiam dispositivos de navegação bastante difundidos pelo continente europeu, conforme atesta a embarcação neolítica do Museu de Copenhaga, Dinamarca, ou as pinturas pré-históricas, que configuram embarcações, na Sierra de los Alcornocales, em Cádiz, Espanha.
No contexto nacional, são vários os argumentos que concorrem para demonstrar que houve ocupação do território por parte de comunidades exógenas e que estas contactaram e transferiram conhecimentos para as populações autóctones ainda com sistemas de vida mesolíticos.
Além disso o estudo feito pela Antropóloga forense Eva Fernandez Domínguez acerca dos cruzamentos genéticos entre mais de 60 comunidades neolíticas do crescente fértil, da ilha do Chipre e do sudeste europeu, também demonstraram que as afinidades genéticas se originaram com estas primeiras expansões por via do mar mediterrâneo.
os materiais arqueológicos do neolítico
Antes de avançar para a sua enumeração, e para que se entendam os argumentos sequentes, convém primeiro explicar que o espólio de cada sítio arqueológico e de cada camada antrópica, oferece uma caracterização económica e cultural da população que a ocupou em determinado momento.
neolítico antigo
Destarte, os materiais que melhor caracterizam o espólio típico do Neolítico Antigo (5500 a.C. – 5000 a.C.) são os machados de pedra polida, os fragmentos de cerâmica com decoração cardial (feita com impressões das beiras dentadas das conchas e berbigões), os vestígios osteológicos de fauna doméstica (ovina, caprina), bem como a presença de leguminosas e cereais produzidos pelo homem.
neolítico antigo evolucionado
Para uma segunda fase mais desenvolvida, denominada Neolítico Antigo Evolucionado (5000 a.C.- 4500 a.C.), a cerâmica passa a ser decorada por puncionamento arrastado (“boquique”), por incisão ou impressão. Podem também ocorrer fragmentos de mós manuais, conforme se verificou a Norte, e estruturas de combustão relacionadas com zonas de carácter habitacional, fossos e buracos de poste de dólmenes e mamoas datados deste período.
o fenómeno neolítico em Portugal e o modelo difusionista
Dito isto, passamos a explanar os argumentos que demonstram a génese do fenómeno neolítico em Portugal através do modelo difusionista.
o neolítico na Estremadura e Sul do país
Para a Estremadura e Sul do país, o primeiro argumento, e também o mais imediato, é, como vimos, o espólio arqueológico.
espólio arqueológico
A presença de elementos cerâmicos (tecnologia exclusivamente neolítica) juntamente com um restante espólio característico de uma comunidade com uma economia de subsistência típica do mesolítico, como aconteceu no concheiro das Amoreiras, no vale do Sado (5060-4720 a.C.) ou no Cabeço do Pez, em Alcácer do Sal, é disso exemplo. Também a presença de vestígios osteológicos de espécies animais exógenas ao território nacional, como é o caso das duas espécies de murídeos extra-europeus, o Mus spretus e Mus musculus, encontrados junto de fauna doméstica (ovino, caprino) numa das estações do maciço calcário estremenho, concorre para uma explicação difusionista. Ainda quanto ao espólio, verifica-se que existe uma correlação entre a cerâmica com decoração cardial encontrada em Portugal, no sistema cársico do Almonda, com exemplares recolhidos em Valência, Espanha, na Cova de L´Or.
análise estratigráfica
Outra perspectiva que concorre para demonstrar a colonização por parte de uma comunidade com uma nova economia e cultura debruça-se sobre a análise estratigráfica dos sítios arqueológicos. Quando estas indicam hiatos de ocupação, significa que as zonas estavam despovoadas quando ali se estabeleceu uma nova comunidade já neolítica, não havendo, por isso, qualquer continuidade com outras anteriores.
Outro ângulo de interpretação que apresenta sólidos argumentos para a hipótese da colonização é o genético, pois um estudo recente indicou uma descontinuidade no ADN entre populações mesolíticas e neolíticas do território português.
sítios de maior relevo
Dos sítios de maior relevo para o estudo do Neolítico no maciço calcário estremenho podem-se destacar a gruta da Furninha, em Peniche, a gruta de Eira Pedrinha, em Condeixa-a-Velha, a gruta da Buraca Grande, em Redinha (Pombal), as grutas do Caldeirão em Tomar, as estações ao ar livre como a da Várzea do Lírio e de Junqueira (Figueira da Foz) e, em Torres Novas, podem-se salientar a gruta do Almonda, em Pedrógão, a estação ao ar livre do Cabeço das Pias, e o abrigo de Pena d´Água. Para o vale do Tejo e do Sado destacam-se o povoado de Salemas, em Loures, a estação de Samouqueira II, em Porto Covo (Sines), a estação de Vale Pincel I (Sines). Para o Alentejo salienta-se o concheiro de Medo Tojeiro em Odemira (Beja) e a estação de Valada do Mato, em Évora. No Algarve, a estação de Cabranosa, em Vila do Bispo, no Algarve.
Com base nos dados e datas disponíveis para cada um destes sítios, toma-se como uma sólida proposta que a génese do Neolítico Antigo, se tenha dado de uma forma quase simultânea em meados do VI milénio a.C., através da colonização, por via marítima, com origem no mediterrâneo.
o neolítico no Centro interior e Norte
Sobre a génese do Neolítico no Centro interior e Norte do país a informação é escassa, todavia sabe-se que a neolitização já estava em curso no decorrer do V milénio a.C., apesar dos ritmos distintos com que foi feita.
cronologia
Para a região do Alto Douro sugere-se uma colonização de sul para norte e do litoral para o interior, dada a descontinuidade detectada entre o mesolítico e o aparecimento das primeiras comunidades neolíticas, podendo a região estar exiguamente povoada, ou até mesmo despovoada. Na região dúrico-transmontana, o espólio indica uma cronologia de ocupação para o V milénio a.C. Na região do Douro Litoral detecta-se uma frequência sazonal, com fraca densidade de espólio e muito disperso, mas cujas datas apontam para o VI e V milénio a.C. Quanto à bacia do Alto Mondego, Beira Alta, há vários sítios de carácter habitacional reportáveis aos primórdios do Neolítico Antigo.
indicadores arqueológicos para datação
Para caracterizar a expressão económica e cultural do neolítico no Centro interior e Norte do país não se pode ter em conta a cerâmica de decoração cardial enquanto indicador de datação indirecta para o Neolítico, tendo em conta que essa expressão cultural não chegou a estes territórios, segundo os actuais conhecimentos). Há, contudo, semelhanças estilísticas entre as cerâmicas da Beira Alta, Douro e Trás-os-Montes, com as da Estremadura, podendo indicar uma ligação entre o interior-centro e a parte mais setentrional da Estremadura, através da região do Alto Mondego. De qualquer forma, a presença de fauna doméstica, de leguminosas e cereais produzidos pelo homem, e instrumentos de pedra polida continuam a ter significado. Para estas regiões deve-se também ter em conta as mamoas e dólmenes de tipologia pré-megalítica, datados do Neolítico, os fragmentos de mós manuais, e outras cerâmicas decoradas a técnicas de incisa em espinha, impressa e por puncionamento a “boquique”.
sítios arquológicos Centro interior e Norte
Dos sítios arqueológicos que se salientam para o Neolítico no Centro interior e Norte são as estações da Tapada da Caldeira (Baião), Lavra I (Marco de Canaveses), os dólmenes de Chã de Santinhos e de Mina do Simão, as estações de carácter habitacional da Quinta da Torrinha e de Quebradas, no Baixo Côa, o sítio do Prazo, em Freixo do Numão, a gruta do Buraco da Pala, em Mirandela, a gruta da Fraga D´Aia, em S. João da Pesqueira, os sítios da Quinta do Soito, em Nelas, a sala 2 do Complexo 1 do Penedo da Penha, em Canas de Senhorim, o Buraco da Moura de São Romão, em Seia, o sítio arqueológico de Carriceiras, em Carregal do Sal e o povoado de Monte do Frade, em Penamacor.
Referências bibliográficas
CARDOSO, João Luís – Pré-História de Portugal. Documento PDF. Manual de Pré e Proto História. 1º ciclo de estudos em História. Acessível na Plataforma de E-Learning da Universidade Aberta.
Diana Carvalho
Mestre em História e Património, membro do Conselho Científico da Revista Herança e colunista em a Pátria. Está actualmente integrada como técnica nas escavações arqueológicas do Castelo de Leiria. É também autora de artigos científicos na vertente do Património Cultural e da História.