Neste artigo veja como analisar uma pintura através de um exemplo prático de aplicação. Saiba quais os elementos a ter em conta sob o ponto de vista formal, de conteúdo e simbólico.
Texto: Yolanda Silva, autora do curso online Análise de obras de arte.
como analisar uma pintura
Para respondermos à questão de como analisar uma pintura escolhemos a pintura Mrs. Richard Brinsley Sheridan, de Thomas Gainsborough (século XVIII).
Mas, antes de mais, vamos ver o que devemos ter em conta:
1. Análise Formal
a. Identificação (nome do artista, título da obra, local e data de produção, localizações anteriores e actual);
b. Dados técnicos (dimensões, materiais, condição da obra);
c. Temática;
d. Função;
e. Estrutura (moldura e zona pictórica; técnica);
f. Composição (desenho, cores, luz, …).
2. Análise de Conteúdos
a. Identificação do sujeito;
b. História do sujeito;
c. Relação da iconografia com a forma.
Mrs. Richard Brinsley Sheridan, de Thomas Gainsborough (século XVIII)
Como analisar uma pintura – Análise formal
Veja como analisar uma pintura sob o ponto de vista formal.
a. Identificação
Pintor: Thomas Gainsborough (1727-1788)
Título da obra: Mrs. Richard Brinsley Sheridan
Local de produção: [sem dados; supõe-se Inglaterra]
Data de produção: entre 1785 e 1787
Localizações anteriores: propriedade inicial dos Sheridan; adquirido por Edward e Harriet Bouverie (família foi proprietária até 1872); vendido em leilão a Alfred de Rothchild (família proprietária até 1936); vendido a Duveen Bros. em Londres (1936); adquirido a 26 de Abril de 1937 pela A.W. Mellon Educational and Charitable Trust (de Pittsburg, EUA), que doa ao National Gallery de Washington (Washington D.C., EUA)
Localização actual: National Gallery de Washington (EUA) – desde 1937
b. Dados técnicos
Dimensões: 220 x 154 cm
Materiais: Óleo sobre tela
Condição: [sem dados; supõe-se em muito bom estado]
c. Temática
Retrato de Mrs. Richard Brinsley Sheridan (Elizabeth Ann Linley Sheridan), com idade de 31 anos, integrada numa paisagem bucólica.
Está rodeada de arvoredo, vestida como uma senhora de alta sociedade e sentada sobre um rochedo.
Os tecidos das suas finas vestes e os seus cabelos ondulados flutuam com o vento, tal como as folhas nas cristas das árvores. Ao fundo, o pôr-do-sol é ligeiramente ocultado por uma árvore solitária distante.
A postura da retratada está em concordância com a melancolia da cena.
d. Função
Como analisar uma pintura sob o ponto de vista da sua função inicial – qual o fim para o qual o artista a produziu.
Neste caso trata-se de um retrato para proveito particular.
e. Estrutura
Sem dados sobre moldura.
A técnica usada pelo pintor é aquela de muitos retratos românticos da época, com pinceladas rápidas, muitas vezes apenas sugerindo as formas (repare-se nas mãos, com dedos enroscados no lenço de seda: são definidos por pinceladas sumárias dando apenas a sugestão da forma). A diafaneidade das pinceladas é primordial para o pintor, transmitindo ritmo à cor e à forma.
f. Composição
Iremos ver como analisar uma pintura no ponto de vista da composição
A linha da composição é diagonal, definida pela figura sentada. O desenho prima pelas suas linhas diáfanas e livres, organizando a composição em torno do rosto da retratada (e assim também no seu olhar e na sua expressão).
Há simetria entre a personagem e a paisagem.
Domina a ideia de movimento e instabilidade revelada na Natureza, assim como na personagem principal – o vento é perceptível tanto nos cabelos e no lenço de seda como nas folhas das árvores e nas flores que se movem ao lado da retratada.
Há igualmente uma certa simetria entre as cores do vestido e as cores do céu onde o Sol se põe (tons de rosa e dourado), assim como a figura da retratada se parece contrapor simetricamente com a própria árvore que oculta o Sol poente.
As cores são outonais e estão distribuídas de modo difuso; sugerem-nos a ideia romântica de melancolia que, segundo relatos da época, condiziam com o temperamento da mulher retratada.
Como analisar uma pintura – Análise de Conteúdo
Veja como analisar uma pintura e o seu conteúdo e significado.
a. Identificação e História do sujeito
Elizabeth Ann Linley (1754-92), cantora amiga de infância de Gainsborough. Fugiu para França para casar com o dramaturgo Richard Brinsley Sheridan (1751-1816).
Era conhecida pela sua beleza e pelo seu temperamento melancólico e famosa pelos seus dotes de canto. Filha de Thomas Linley e Mary Johnson, ambos talentosos músicos de Bath, na Inglaterra.
Casada com Sheridan em 1773 (data presumida), com quem viveu um casamento tempestuoso, devido às diferenças temperamentais de um e de outro.
b. Relação da iconografia com a forma
Gainsborough usa a instabilidade das pinceladas para transparecer a própria instabilidade da cena e assim, igualmente, reforçar a ideia de melancolia popular na época e de acordo com o carácter da retratada.
Esta é uma pintura com peso psicológico.
A solidez das pinceladas usadas para pintar o rosto revelam um rosto grave, bem esculpido, de olhar digno e amável, que parece obrigar a focar o olhar nas suas feições, mais que no envolvente.
As pinceladas, desde as mais firmes às mais difusas, captam a sua delicadeza e charme, mostrando-nos que se trata de uma mulher de elegância e estatuto.
O pôr-do-Sol é simbólico da sua melancolia, uma vez mais reforçando a ideia do estado de espírito da figura retratada.
Do mesmo modo, a árvore distante e solitária (à esquerda) que se opõe à figura da mulher pode ser interpretada pelo seu sentimento de deslocamento e de isolamento – talvez ela mesma esteja em busca de algo que lhe seja distante ou inalcançável.