Damos também lugar a artistas emergentes neste espaço de divulgação de exposições e eventos.
Joana Falcão e a sua primeira exposição a solo – “Sem verso não há face” – que esteve patente no Convento do Carmo em Torres Novas de 20 de janeiro a 1 de março de 2019.
Mas não basta falar de artistas emergentes quando olhamos para as suas exposições.
Olhemos igualmente para as novas perspetivas de curadoria que dão forma ao processo de comunicação entre os novos artistas emergentes e o público.
Texto
Mafalda Duarte Barrela é curadora independente e colaboradora do Museu Municipal Carlos Reis em Torres Novas. A sua prática curatorial foca-se em arte contemporânea emergente, tendo trabalhado com artistas como Joana Falcão, David Gonçalves, Sara Ramone, Micael Ferreira e Pedro Marujo.
Conceptualmente, possui interesse por temas como abjeção, género e sexualidade, feminismo, poder e performatividade.
Imagens: Liliana Carvalho
artistas emergentes | Joana Falcão e a estética do trauma
Registos fotográficos da performance “Visto-me” (2018)
São vários os motivos de inspiração para a criação artística. Uns deleitam-se com paisagens campestres, alguns pensam em sonhos e desejos urgentes, outros perdem-se no caos borbulhante do quotidiano citadino.
Para Joana Falcão, esse motivo é o trauma.
Naquela que foi a sua primeira exposição a solo, em “Sem verso não há face”, que esteve patente no Convento do
Ensaios sobre afeto (2016)
Carmo em Torres Novas de 20 de janeiro a 1 de março de 2019, Joana Falcão mostrou o quão visceral poderá ser um momento traumático quando se torna um elemento intrínseco e quase parasitário na pessoa que o experiência.
É através da arte, nomeadamente da escultura, fotografia e performance, que a artista purga esses acontecimentos.
Este evento quase catártico apenas ocorre devido a vivências muito ou pouco traumáticas, que acabam por definir de alguma forma o caráter de um indivíduo.
Se por um lado o trauma é oposto ao bem-estar, sem o trauma o último não existiria, pois apenas faz sentido falar de A quando existe B que se lhe oponha. O que é oposto complementa-se, necessariamente.
É esta complementaridade de noções aparentemente antagónicas, como físico e psicológico, público e privado, face e verso, que a artista explora plasticamente.
Esforço em Carne (2016)
Esforço em Carne (2016) – detalhe
A materialidade: a tripa de bovino e o látex
Contudo, “Sem verso não há face” não se esgotou na conceptualização, sendo que a materialidade é uma componente muito importante na obra da artista.
Nesta exposição, comprovou-se a existência de dois elementos bastante comuns no trabalho de Joana Falcão: a textura de tripa de bovino e o látex.
A tripa de vaca, a partir da qual a artista trabalha, confere às suas obras a dita visceralidade: é o imperativo do cru, o ser humano reduzido ao seu mais ínfimo interior, completa e totalmente despido de tudo, inclusive da própria pele.
Tripas coração (2015)
Obras como Tripas Coração (2015), Ensaios sobre afeto (2016) e Visto-me (2018) são exemplos da utilização desta textura que compõe a marca da artista, pelo menos nesta sua fase de maturação.
O látex é um material por excelência nesta exploração do trauma que marca o trabalho artístico de Joana Falcão. Aliás, a obra Esforço em Carne (2016) é, possivelmente, aquela que mais evidencia a simbiose perfeita entre a textura anteposta e este material. Nas palavras da própria, “O látex apresenta estas características conflituosas, entre o orgânico da sua origem (vegetal), propriedades elásticas, mas de aparência e toque plástico, com um aroma tóxico e visceral. Foi a matéria perfeita para representar as tripas de bovino.”
Assim, em “Sem verso não há face”, Joana Falcão, uma das artistas emergentes selecionadas para a publicação da EMERGE “Portuguese Emerging Artists 2018”, revisitou obras com uma grande carga afetiva, no sentido de fechar um capítulo da sua criação, mais ou menos traumático, e continuar o seu percurso como artista emergente de referência.