As representações do Menino Jesus ou Menino Deus são frequentes, particularmente na época barroca, e refletem uma religiosidade muito particular. Uma piedade amorosa e familiar, feita de ternura e ingenuidade.
Vamos olhar para a pintura de Josefa d’Óbidos (1630, Sevilha, Espanha – 1684, Óbidos, Portugal) ” Menino Jesus Salvador do Mundo”, 1673, Igreja Matriz de Cascais.
E ainda para um poema contemporâneo da pintora ” O Menino Deus em Metáfora de Doce”.
Mais do que às representações de santos ou da Virgem, é a estas figuras que Josefa d’Óbidos transmite uma graciosidade muito feminina que se reflete nas formas “rechunchudas” dos Meninos e nos diversos adereços que os acompanham.
Os motivos florais associam à temática religiosa a especial aptidão da artista para a pintura de naturezas mortas. Nestas flores há uma atenção ao pormenor e um maior cromatismo.
No que respeita à articulação dos elementos com o fundo da composição esta obra aproxima-se mais da estrutura formal das naturezas mortas do que de outras obras de pintura religiosa da artista.
Menino Jesus Salvador do Mundo, Igreja Matriz de Cascais
A iconografia associada à representação de Jesus Salvador do Mundo ou Salvatori Mundi é clara na mão na mão direita – fazendo a benção – e na mão esquerda – segurando o globo.
O fundo não reproduz interiores ou paisagens. Há sim um fundo negro que se esbate em acastanhados nos cantos do quadro, sobre o qual se destaca o Menino Jesus.
Este deixa transparecer a sua nudez através de um vestido transparente sobre o qual uma capa vermelha descaída para trás dá mais vivacidade e contrasta com o fundo.
Os pés do Menino Jesus , um pouco desproporcionados, estão sobre uma almofada vermelha e, esta, por sua vez, sobre uma base de madeira trabalhada.
Jesus é identificado por uma pequena bandeira branca onde figuram as iniciais I.N.R.I.
Formando como que um reposteiro apanhado dos lados, as flores que ladeiam a composição dão um enquadramento colorido. As cores vão dos vermelhos acastanhados passando por brancos e pelos verdes escuros e esbatidos das ramagens.
Nas pinturas dedicadas a Jesus criança, Josefa d’Óbidos reflete uma religiosidade muito particular, tratando o tema com familiaridade, quase ingenuidade.
O Menino Deus em Metáfora de Doce
Este curioso poema, contemporâneo da pintora, em que se compara o Menino Jesus a doces conventuais é bem revelador desta religiosidade.
Não esqueçamos que Josefa d’Óbidos foi exímia no retrato de doces conventuais nas suas naturezas mortas, como nesta de 1676.
O Menino Deus em Metáfora de Doce
ref: Luis de Moura Sobral, “Três Bodegones” do Museu de Évora, in: Colóquio / Artes, nº 55, Dez. 1982.
« – Quem quer fruta doce? / – Mostre lá! Que é isso? / – É doce coberto; / É manjar divino. / Vejamos o doce; / Compraremos todo, / Se todo for rico».
« – Venha ao portal logo; / Verá que não minto, / Pois de várias sortes / É doce infinito. / – Desculpa, minha alma. / Mas ah! Que diviso?! / Envolto em mantilhas, / Um Infante lindo!».
«Não sabe o mistério? / Ora vá ouvindo».
«Muito antes de Santa Ana, / Teve este doce princípio, / Porque já do Salvador / Se davam muitos indícios. / Mas na Anunciada dizem / que houve mais expresso aviso, / E logo na Encarnação / Se entrou por modo divino».
«Esteve pois na Esperança / Muitos tempos escondido; / Saiu da Madre de Deus / Depois às Claras foi visto. / Fazem dele estimação / As freiras com tal capricho, / Que apuram para este doce / Todos os cinco sentidos».
«no Calvário / Terá seu termo finito, / Sendo que no Sacramento / Há de ter novo artifício».
«Que seja doce este Infante, / A razão o está pedindo, / Porque é certo que é morgado, / Sendo unigénito Filho! / Exposto ao rigor do tempo, / Quando tirita nuzinho, / Um caramelo parece / Pelo branco e pelo frio».
«Tão doce é que, porque farte / Ao pecador mais faminto, / Será de pão com espécies, / Substancial doce divino. / É manjar tão soberano, / Regalo tão peregrino, / Que os espíritos levanta, / Tornando aos mortos vivos».
«Tão delicioso bocado / Será de gosto infinito, / Manjar real, verdadeiro, / Manjar branco, parecido! / Que é manjar dos Anjos, dizem / Talentos mui fidedignos, / Por ser pão de ló, que aos Anjos / Foi em figura, oferecido».
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