Palácio de Queluz – Um palácio de veraneio que atravessou três gerações de monarcas portugueses e que foi em tempos a residência oficial da família real!
D. Pedro III
De todos os reis de Portugal, o rei D. Pedro III (1717-1786) é provavelmente o menos conhecido. Filho de D. João V (1689-1750) e de D. Maria Ana de Áustria (1683-1754), irmão do rei D. José I (1714-1777), senhor da Casa do Infantado e Grão-Prior do Crato, este príncipe culto e de gosto artístico refinado tornou-se rei-consorte, em 1777, após a subida ao trono da sua sobrinha, D. Maria I (1734-1816), com quem estava casado desde 1760.
Muito antes de se tornar rei-consorte, o príncipe D. Pedro ordenou, por volta de 1747, a construção de um Palácio de veraneio em estilo rocaille e neoclássico, nos arredores de Lisboa, que se converteria na última residência oficial da família real em Portugal até à partida dos Bragança para o Brasil, no início do século XIX.
A construção durou até 1794, altura em que o último pavilhão – conhecido atualmente como Pavilhão D. Maria I – foi concluído.
O interior do Palácio de Queluz – a Sala do Trono
Dos três arquitetos contratados, em diferentes fases, pelo príncipe D. Pedro – Mateus Vicente de Oliveira (1706-1785), Jean-Baptiste Robillon (1704-1782) e Manuel Caetano de Sousa (1730-1802) – seria o segundo o responsável por introduzir o estilo artístico rocaille.
Este estilo tinha surgido em França durante o reinado de Luís XV e caracterizava-se pela representação insistente da onda marítima, de grinaldas de flores e do formato concheado.
Era nesta sala de cerimónias que o rei-consorte D. Pedro III e a primeira rainha reinante portuguesa, D. Maria I, recebiam os seus mais ilustres convidados durante os banquetes reais realizados nas amenas noites primaveris.
Os melhores peixes, mariscos, presuntos de Lamego, vinhos, doces e até sorvetes eram servidos em exuberantes serviços de porcelana chineses pelos criados que acompanhavam a família real nas suas deslocações de Lisboa para Queluz.
Bebidas como o café, o chocolate quente ou o chá, na época consideradas como exóticas, juntamente com o fogo de artifício lançado nos jardins – cujas fontes eram decoradas com velas e grinaldas de flores – tornavam as festas do Palácio de Queluz verdadeiramente inesquecíveis!
O interior do Palácio de Queluz – A Sala da Música e a Capela
Além dos banquetes e das encenações de algumas peças de teatro em palcos improvisados, que ocorriam na Sala do Trono, os saraus musicais figuravam entre os passatempos favoritos da família real.
Para esse efeito, a Sala da Música com o seu teto em madeira e formato elíptico era o local mais indicado para a realização destes concertos musicais nos quais o corpo diplomático era obrigado a assistir de pé durante quase três horas enquanto os membros da família real eram os únicos que tinham o privilégio de assistir sentados.
Maria I – em baixo retratada numa fabulosa pintura de Vieira Lusitano (1699-1783) – tal como o seu avô, D. João V, adorava música e dispunha na época de uma das melhores orquestras de câmara europeias, a qual era composta por excelentes músicos franceses e italianos.
A música estava presente nas cerimónias religiosas realizadas três ou quatro vezes por dia e, durante algumas missas, as irmãs de D. Maria I – D. Maria Ana Josefa (1736-1813), D. Maria Doroteia (1739-1771) e D. Maria Francisca Benedita (1746-1829) – acompanhavam a orquestra cantando no coro alto.
A missa era dada em latim pelo padre que estava impedido de voltar as costas ao sacrário e à imagem de Nossa Senhora da Assunção, padroeira de Queluz, ali representada numa bela pintura de André Gonçalves (1692-1762).
A partida da corte para o Brasil: novembro de 1807
O Palácio de Queluz transformar-se-ia em residência oficial da família real portuguesa a partir de 1794, após o incêndio da Real Barraca da Ajuda, um edifício construído em madeira na sequência do terramoto de 1755, mas ricamente decorado com pinturas, tapeçarias e belos e elegantes móveis.
Ao mesmo tempo que tudo isto ocorria em Portugal, em França, as posições dos revolucionários responsáveis pela Revolução, iniciada em 1789, radicalizavam-se de dia para dia sobretudo após a execução da rainha de origem austríaca, Maria Antonieta, em 1793.
As potências europeias, e em particular o Império austríaco e a Inglaterra, tentavam a todo o custo evitar que os ideais revolucionários franceses se expandissem para os seus próprios países.
A auto proclamação do general Napoleão Bonaparte como Imperador dos franceses, em 1804, mostrou o que todos temiam: a expansão do Império francês era uma ameaça e a guerra na Europa era inevitável.
Neste contexto, o príncipe D. João, futuro rei D. João VI – nomeado regente após o afastamento da rainha D. Maria I por motivos de insanidade mental – pressionado pelo governo francês a aderir ao bloqueio continental que determinava o encerramento dos portos europeus ao comércio com a Inglaterra, optou por apoiar a fação inglesa.
Consequentemente, a família real e a corte foram transferidas para o Rio de Janeiro, em novembro de 1807, fugindo assim às tropas francesas lideradas pelo general Junot (1771-1813) que pouco tempo depois tomaram facilmente a cidade de Lisboa.
Apesar dos anseios do povo português por um retorno rápido do príncipe regente – como foi expresso pelo pintor Domingos Sequeira (1768-1836) na Alegoria às Virtudes, datada de 1810 e em baixo exposta – a família real e a corte apenas voltariam a Lisboa em 1821.
Aclamado rei, em 1816, na sequência da morte da sua mãe, a rainha D. Maria I, D. João VI acaba por falecer em 1826, no Palácio da Bemposta, por causas que ainda hoje não estão totalmente esclarecidas.
Segundo alguns autores, a sua esposa, a rainha D. Carlota Joaquina (1775-1830) – irreverente, ambiciosa e manipuladora – estaria por detrás de uma conspiração política com o intuito de controlar o poder régio, o que a terá levado a envenenar o seu odiado marido.
Nesta altura, o Palácio de Queluz não foi esquecido e continuou a ser utilizado, quer por D. Carlota Joaquina (que aqui faleceu, em 1830) quer pela princesa D. Maria Francisca Benedita, a irmã mais nova da rainha D. Maria I e viúva do seu próprio sobrinho, o príncipe D. José.
Refira-se que uma das razões da demência de D. Maria I terá sido a morte por varíola do seu filho, D. José, em 1788, que estava casado, como atrás foi referido, com a sua irmã, D. Maria Francisca Benedita.
A guerra civil portuguesa: liberais contra absolutistas
Inicia-se, assim, uma nova época na história do Palácio de Queluz. Após dois anos de regência liderada por uma das filhas de D. João VI e de D. Carlota Joaquina, D. Isabel Maria (1826-1828), Portugal seria governado entre 1828 e 1831 pelo rei D. Miguel, outro dos filhos do casal. D. Miguel (1802-1866), desejoso de não cumprir os preceitos da Carta Constitucional – que fora outorgada, em 1826, pelo seu irmão, o Imperador D. Pedro I do Brasil – e querendo manter a estrutura social existente em Portugal antes da Revolução Francesa, entra em rota de colisão com a fação liberal.
A Guerra Civil portuguesa começa em 1832: a fação absolutista de D. Miguel e o partido liberal liderado por D. Pedro – agora já ex-Imperador do Brasil – enfrentam-se durante dois anos em várias regiões portuguesas.
De todos esses conflitos militares, o cerco imposto pelas tropas de D. Miguel à cidade do Porto, entre 1832 e 1833, foi sem dúvida um dos mais sangrentos.
O Pavilhão Robillon
Mesmo durante a guerra civil portuguesa, o Palácio de Queluz continuou a ser ocupado, em diferentes momentos, quer por D. Miguel quer por D. Pedro, netos do fundador, o rei-consorte D. Pedro III.
Ao entrarmos no Pavilhão Robillon, concebido e decorado pelo arquiteto francês durante a segunda fase de obras, passamos pela magnífica Sala dos Embaixadores onde finalmente encontramos de um lado os tronos reais e do outro as cadeiras reservadas ao príncipe herdeiro e à sua esposa, que ali podiam assistir às audiências dadas por D. João VI a pessoas tão ilustres como o grande escritor inglês, William Beckford.
As paredes decoradas com motivos orientais, as famosas chinoiseries, juntamente com os quatro imponentes potes de porcelana chinesa da dinastia Qing (século XVIII), indicam-nos que entramos num espaço exótico e requintado que inclui os aposentos privados da família real.
Além da Sala do Despacho, onde D. João VI se reunia com os seus ministros, não pode deixar de admirar o fabuloso lustre veneziano produzido em Murano do quarto de vestir da princesa D. Carlota Joaquina, que foi utilizado pela mesma quando chegou ao Palácio de Queluz, com apenas 10 anos, após o seu casamento com o príncipe D. João.
Eis que chega a um dos locais mais emblemáticos do Palácio de Queluz: o Quarto D. Quixote.
De planta quadrada, as oito colunas que sustentam a sua cúpula transmitem a ilusão de que o espaço é circular.
Nas paredes e no teto destacam-se pinturas que representam excertos do famoso livro, D. Quixote de la Mancha, escrito por Miguel de Cervantes, em 1605.
Foi neste quarto real que nasceram e morreram – numa cama que foi consumida pelo incêndio de 1934 – alguns dos filhos e das filhas de D. João VI e de D. Carlota Joaquina, incluindo os dois irmãos que se defrontaram na guerra civil portuguesa, D. Pedro e D. Miguel (este último acabou por falecer na Alemanha, em 1866).
Após a visita ao interior do Palácio, desça a célebre escadaria dos leões – também conhecida como escadaria Robillon – e não perca os jardins de Queluz.
Estão decorados por diversas fontes, cascatas e estátuas em pedra e em chumbo de personagens da mitologia greco-romana e foram outrora palco de festas magníficas, peças teatrais, jogos – como o famoso jogo da pela – e até de touradas realizadas numa arena de touros que hoje já não existe.
Além dos passeios que davam pelos jardins e do tempo que passavam na estufam – onde se plantavam ananases que eram depois utilizados para decorar os pratos durante os banquetes reais – o rei D. Pedro III e D. Maria I adoravam passear em pequenas gôndolas no Canal dos Azulejos.
Este canal totalmente revestido a azulejos com imagens de cenas rurais ou marítimas tinha, no passado, um sistema de comportas que permitia elevar o nível das águas do rio Jamor.
No centro localizavam-se os músicos que tocavam belas composições para deleite da família real e dos cortesãos.
Ao sair, passe pelo Jardim de Neptuno – um jardim de inspiração francesa geometricamente talhado – e admire a belíssima fachada de cerimónias que outrora foi uma das portas de entrada principais neste sumptuoso Palácio!
Nuno Alegria
Licenciado em História pela Faculdade de Letras de Lisboa, pós-graduado em História Contemporânea pela Faculdade de Letras de Coimbra e em Tour Guiding pelo Instituto de Novas Profissões (INP). Guia-Intérprete oficial, fluente em inglês, francês e espanhol, trabalha para a Parques de Sintra e para diversas agências de viagens realizando circuitos turísticos culturais por museus e monumentos de todo o país.
1 Comentário.
Trabalho maravilhoso digno de ser utilizado em aulas de História e Política.
Pela arte se conhece o homem e a História.
Obrigada por poder conhecer esse castelo tão lindo.
Ilca Vianna