Edição do século XIV da Legenda Áurea mostrando São Remígio e Clóvis I. Fonte Wikimedia
Datada do último terço do século XIII, a Legenda aurea ou Legenda sanctorium foi a segunda obra em popularidade da Idade Média, sendo ultrapassada somente pela Bíblia em alcance.
Imagem de capa: Edição do século XIV da Legenda Áurea mostrando São Remígio e Clóvis I (detalhe)
A Legenda aurea ou Legenda sanctorum
Datada do último terço do século XIII, a Legenda áurea foi a segunda obra em popularidade da Idade Média, sendo ultrapassada somente pela Bíblia em alcance.
O seu diferencial em relação a maior parte das obras do período medieval, que em geral se destinavam a um público de clérigos e a um escasso grupo de leigos instruídos, sendo então redigidas apenas em latim, é que a Legenda áurea foi rapidamente traduzida para as línguas vernaculares, não sem prejuízo ao texto nas várias traduções que sofreu.
Foi posta em circulação em um período chave da história da escrita, tempo em que as línguas vulgares começaram a concorrer com o latim. Havia um crescente número de leigos a se tornar capaz de ler, chegando-se ao fim da leitura em voz alta, pratica corrente na alta Idade média. O leitor se tornou independente e a leitura se tornou acessível a um público maior.
Desta forma a Legenda aurea se beneficiou de circunstâncias históricas excepcionais.
Tiago de Varazze
Seu autor Tiago de Varazze, nascido em Gênova em 1228.
Ingressa como noviço no convento dominicano de Gênova em 1244. Era um homem da igreja, acima de tudo um pregador ambulante muito viajado pela Europa Cristã e espaço Mediterrâneo, acreditava na palavra e no texto como caminhos para a salvação. Seguiu fielmente à sua ordem religiosa e ao seu fundador, Domingos Gusmão.
Foi nomeado arcebispo de Gênova em 1292 pelo Papa Nicolau IV. Faleceu em 1298 e atingiu a beatificação em 1816, a pedido dos genoveses, por graça do Papa PioVII.
O que é a Legenda Áurea
A Legenda Àurea atinge grande sucesso durante mais de três séculos, porém a partir de meados do século XVII até o
início do século XX ela praticamente desaparece. Em grande parte, isto se deve ao fato desta obra ser essencialmente uma série de vidas de santos, sendo classificada pelos especialistas como literatura hagiográfica.
Ora, os grandes especialistas modernos nos santos, os bolandistas, instituição jesuíta, que assumiu a missão de dar aos santos uma apresentação científica e livre das fantasias da credulidade medieval, deram um julgamento desfavorável e negativo a Legenda aurea jogando a em quase três séculos de obscuridade.
Compilação?
Para bem medir o sentido e o alcance da obra de Tiago de Varazze é preciso primeiramente abandonar a prejudicial noção de que a Legenda aurea é uma compilação, termo que carrega desde o século XVIII uma conotação pejorativa, algo tão depreciativo quanto “plágio”.
Este termo não carregava tal negativa visão, muito pelo contrário, na Idade Média compilações eram amplamente difundidas e tinham um valor positivo.
Livro de lendas?
Um segundo ponto a ser tratado é a categorização desta obra como livro de lendas. Classificá-la como tal é bastante limitado.
Pensar o tempo | a originalidade da Legenda aurea
Para muito além de uma compilação, ou um livro de lendas, a Legenda aurea tem em seu cerne a exposição da liturgia cristã enquadrada pela visão da ordem dominicana.
Sua originalidade vem de pensar o tempo, essa grande questão de todas as civilizações e religiões.
Dentro dela se encontram:
O tempo da liturgia que se repete ciclicamente.
O tempo marcado pela vida dos santos, que é um tempo curto e linear, o percurso de uma vida admirável que atinge a iluminação.
E o “macro” tempo, caminhado pela humanidade para o juízo final.
Por fim, compreendemos que o objetivo ultrapassa a simples compilação hagiográfica, para sacralizar o tempo da vida humana, para levar a humanidade à salvação.
Apoiando-se nisto Tiago de Varazze faz de seu manuscrito um encanto ao sagrado e a humanidade.
Bibliografia
LE GOFF, Jacques. 2014 Em busca do tempo sagrado: Tiago de Varazze e a Lenda Dourada
DELEHAYE, Hippolyte. 1959.O trabalho dos bolandistas através de três séculos.
Marina Barros Cabral
Licenciada em Artes Cênica com habilitação em Indumentária pela Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro e licenciada em ensino de artes visuais pela UNILAGOS. Atuou como educadora artística bilíngue no ensino básico e como compradora de moda. Atualmente cursando Mestrado em História da Arte, Património e cultura visual na Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Apaixonada por Artes Visuais, História da arte, filosofia, cultura, estética, património, curadoria e restauro.
Área de concentração Arte medieval e renascentista. Colabora com a Citaliarestauro.com, nas áreas de História da Arte e Estudos Medievais.