Autor: Davi Galhardo
Filósofo e crítico de cinema
Fiat Lux! O Cinema completa 122 anos
No dia 28 de dezembro de 1895 vinha à luz uma das invenções que mais revolucionariam a história recente da humanidade: o cinematógrafo. De fato, quando os irmãos Auguste Marie Lumière (1862-1954) e Louis Nicholas Lumière (1864-1948) exibiram suas primeiras películas, realizando aquilo que se considera até hoje como o nascimento de uma sétima arte, consequentemente, e sem o saber, pois, consideravam tal invenção como algo “efêmero”, os irmãos Lumière criavam uma poderosa maneira de ver, dominar e recriar o(s) mundo(s).
Destarte, podemos dizer que a partir daquele momento, definitivamente, o real nunca mais seria o mesmo (1).
Contudo, é evidente que na época moderna outras formas de expressão artística, como a fotografia, também foram radicalmente inovadoras. Afinal, a mera possibilidade de se fixar imagens, sobretudo de seres humanos, de forma instantânea em um papel era distanciada pela sociedade civil, tal como o diabo é obrigado a fugir da cruz, e, foi somente em 3 de julho de 1839, quando o renomado físico François Arago (1786-1853) defendera a descoberta de Louis Jacques Mandé Daguerre (1787-1851) na Câmara dos Deputados de Paris que a situação começou a se modificar (2).
“Mas as dificuldades que a fotografia oferecia à estética tradicional eram brincadeira de criança diante daquelas que o cinema apresentaria” (3), pois, o cinema insere-se, de fio a pavio, no rol de artes passíveis de uma reprodução técnica, ou seja, em larga escala, visando assim um sem-número de pessoas, de forma massiva, e, que dispensa o valor de culto – a auréola, como já dizia Charles Baudelaire (1821-1867) em As flores do mal em 1857 – do objeto original.
No cinema é o princípio da montagem que se destaca, pois, é graças aos laboratórios de pós-produção que se torna possível ensinar Donald Trump (1946-) a “falar em russo”, enquanto o Tio Sam aprende a tocar pandeiro com as integrantes do Pussy Riot. De outra forma, “sabe o que é o melhor do cinema? é que no cinema tu pode fazer o que tu quer!”, diz o tresloucado personagem Everardo de Baixio das bestas (2006), ilustrando perfeitamente que no cinema é possível brincar de Deus (4).
Em suma, a partir da criação da arte cinematográfica se fez possível brincar e/ou dominar os desejos e necessidades humanas, ou seja, expor e/ou impor diversas ideologias, visões de mundo, weltanschauung, evidentemente, servindo aos mais distintos interesses ao longo de toda a história do mundo moderno, de Hitler à Mickey Mouse. D’a viagem à lua de Georges Méliès (1861-1938), passando pelo Gabinete do Doutor Caligari, a bordo do Encouraçado Potemkin, com o Cão de Andaluz, para ver as Luzes da Cidade de Chaplin (5) brilharem em La La Land etc., o que se constata é uma arte em constante metamorfose criativa.
É bem verdade que a sua morte já fora decretada algumas vezes por distintas vanguardas e cineastas, mas, no frigir dos ovos, seu coração de 122 anos, ainda insiste em bater.
REFERÊNCIAS:
(1) RIBEIRO, Milton. O dia em que os irmãos Lumière apresentaram o cinema ao mundo. 2013.
(2) BENJAMIN, Walter. Pequena história da fotografia. In: ______. Magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense, 1994. p. 92.
(3) BENJAMIN, Walter. A obra de arte na época de sua reprodutibilidade técnica. Porto Alegre: Editora Zouk, 2014. p. 55.
(4) ASSIS, Claudio. Baixio das bestas (trailer). 2006.
(5) DEBORD, Guy. OEuvres. Paris: Gallimard, 2006. p. 61.